quinta-feira, 15 de maio de 2014

Família ou a arte dos equilíbrios



Claro que a família só podia estar a atravessar uma profunda crise neste nosso mundo ocidental ávido de controlo, utilitário e politicamente correto.

Embarcar numa coisa dessas é, em boa verdade, uma completa insanidade. Para começar, confiar noutra pessoa e entregar-se a ela totalmente. Confiar? Que grande burrice. Entregar-se? Só com muitas seguranças a toda a volta, e mesmo assim com grandes reservas. Filhos? Sabemos lá o que vem por aí… Choros, birras, fraldas? Horas de mamada? Que prisão!

Dois filhos? Ai, isso é a duplicação daquele esforço que nem é bom lembrar… Mais uma cadeirinha, mais choros e birras e noites sem dormir, e fraldas e dentes a romper do mais velho, que grande barafunda…
Três? Uiii, uiii, a avó torce o nariz, “eles é que sabem”, em tom reprovador, “que isto da vida não está para filhos…” Aí o caldo já se entornou completamente. Ao terceiro já ninguém liga, “eles são doidos, vivam lá com a doidice deles”…

Quarto. Bom, a partir daqui está declarada publicamente a loucura daquela malta. Passam a sofrer externamente do preconceito “de quem não sabe o que anda a fazer na vida, coitados…” E aí por diante. “Quantos são eles? Nem sei…”

Dentro daquelas portas, aparentemente nenhuma peça do puzzle encaixa. Mas o certo é que há puzzle. Ninguém é o centro, o centro está sempre fora, num qualquer “outro”: nos dilúvios da adolescente, nas travessuras do terceiro, na timidez do do meio, nas preocupações dos testes, nas saídas do mais velho, sei lá em quantas coisas mais.

Chegar a casa e calçar as pantufas é fantasia. Os dias estão cheios de heroicidades banais, como adiar a palermice de ficar a olhar para a televisão sem a ver para ir mandar umas boladas com os filhos, ou apenas estudar com eles, ou fazer umas criações culinárias.

A família leva-nos a alma, mas só aí ficamos maiores. Ter família é dizer adeus à rotina confortável, às previsões, à ilusão da perfeição – porque o amor mostra-nos que nunca damos o suficiente, nunca estamos suficientemente à altura, nunca somos suficientemente amantes.

Muitos se perguntarão: “Mas por que é que eles têm filhos?” As respostas podem ser inúmeras, mas em todas elas deve haver essa lógica invertida da realidade, como o barco do “Pirata das Caraíbas” que se vira e encontra um mundo novo. É ter um eixo que não é substituível, é ter o coração cheio do único que é preciso, é viver de amor.

Por isso e por muito mais, parabéns a todas, queridas Famílias!
 
Dina Matos Ferreira

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