sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A graça de ser de novo



O que Te peço, Senhor, é a graça de ser.

Não Te peço mapas, peço-Te caminhos.
O gosto dos caminhos recomeçados,
com as suas surpresas, as suas mudanças, a sua beleza.

Não Te peço coisas para segurar,
mas que as minhas mãos vazias
se entusiasmem na construção da vida.

Não Te peço que pares o tempo na minha imagem predileta,
mas que ensines os meus olhos a encarar cada tempo
como uma nova oportunidade.

Afasta de mim palavras,
que servem apenas para evocar cansaços, desânimos, distâncias.

Que eu não pense saber já tudo acerca de mim e dos outros.
Mesmo quando eu não posso ou quando não tenho,
sei que posso ser, ser simplesmente.

É isso que Te peço, Senhor:
A graça de ser de novo

Pe. José Tolentino de Mendonça, 
in Um Deus que dança - itinerários para a oração

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Obrigado, Pe. Ricardo!



Hoje, ao passar o 7º dia da morte do nosso querido amigo Pe. Ricardo, recordo a última visita que lhe fiz.
Depois de andar meio perdido no hospital, acabei por ir por um corredor que me indicaram e, quando menos esperava, para meu espanto, vinha o Pe. Ricardo numa cadeirinha por esse mesmo corredor. Se eu não me tivesse enganado e tivesse ido por outro lado, teria chegado ao quarto e já não o encontraria. Há coisas engraçadas! Coisas de Deus!
Estava sereno, sorridente. Falámos uns minutos. Agarrou-me sempre na mão. Quis saber tudo sobre as minhas paróquias. A certa altura notei que estava a falar mais de mim do que a ouvi-lo a ele. Ele sempre foi mestre em ouvir e ajudar os outros... até no hospital!
Acabei por inverter a conversa e disse-lhe que tinha ido para lhe pedir a bênção. Ajoelhei-me no meio do corredor e ele começou a soluçar. Não me consigo lembrar do que me disse, mas jamais esquecerei o tom sentido, comovido e amigo com que me deu a bênção.
Amigo, obrigado por tudo o que és e fazes por nós, pela Igreja! Obrigado por seres um dos sinais mais visíveis de Deus entre nós. Estaremos sempre ao teu lado!

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Aprender a descansar


Aprender a descansar

Não é raro que, prisioneiros da pressão que nos impõem — ou nos impomos —, deixemos de saber o que significa descansar. Pensamos numa vida enclaustrada em dias úteis, e só aí. O tempo torna-se circular e uniforme. E mesmo quando temos a oportunidade de parar, já não temos a sabedoria necessária para isso. Como a pausa nos angustia, a tentação é afogá-la com os atordoamentos mais diversos. O que se passa connosco? Moldamos os nossos quotidianos como movimento perpétuo, atividade, tráfico de afazeres, sucessão de programas a executar, produção e consumo. Tudo isso torna-se o sinónimo de existência, da qual somos cada vez mais profissionais, e cada vez menos exploradores, inventores ou enamorados. Não admira que façamos das férias um tempo ofegante como qualquer outro, ainda por cima camuflado por uma montanha de distrações e obrigações acrescidas que nos atiram para um inconfessável exílio. Não se pode dizer que sejam um tempo de liberdade, onde respiramos a transparência, onde ousamos o azul ou a imensidão como lugares que nos pertençam. Mesmo se deslocados para fora do nosso mundo habitual, a verdade é que continuamos a correr, a cumprir etapas, e porventura a deixar para trás o encontro profundo connosco próprios e com os outros. Regressamos ao trabalho com a insólita sensação de que precisaríamos de umas férias depois da estafa que as nossas foram.

Torna-se necessário, por isso, fazer escolhas, que não são fáceis, nem automáticas, mas provêm de uma decisão que, à falta de melhor nome, eu chamaria de espiritual. Em vez de produzir, afirmar, esventrar, repetir, deveríamos ousar uma distância crítica e aproveitar as férias para interromper o tracejado sonâmbulo que parece esgotar todas as nossas possibilidades. Precisamos reaprender coisas simples da vida: valorizar a comunicação que acontece sem prazo e sem palavras; investir na hospitalidade que brota da escuta gratuita e demorada; estimar a compreensão que o silêncio, de coração a coração, entreabre; revitalizar os nossos sentidos. Precisamos, por exemplo, de contemplar em vez de ver apenas. De caminhar com vagar e preferir os caminhos mais longos em vez de nos deslocarmos numa cápsula e sempre a toda a velocidade. Precisamos de deixar de ter medo de perder tempo, construindo e desejando presenças mais do que persistindo na acumulação fortuita de sensações e de vultos.

Não nos enganemos. O verdadeiro repouso não o encontraremos prefabricado e pronto a consumir. O repouso não está à nossa espera nos lugares de sonho das promoções turísticas. Não o encontraremos em lugar algum, se ele não tiver antes brotado na nossa alma. Vale a pena assim que ao tocarmos a terra, a água ou o vento toquemos também o coração da vida. Que acordemos a curiosidade e a atenção, que são as formas mais quotidianas, mas também as mais extraordinárias de amor. Que nos detenhamos perante o visível, com a generosidade e o espanto de quem volta a relacionar - se com tudo pela primeira vez. Que abramos janelas e brechas superando os ambientes condicionados, as visões parcelares, os juízos viciados. Que acreditemos que os nossos braços podem chegar bem mais longe do que as curtas distâncias que os nossos olhos alcançam. Que visitemos e nos deixemos visitar pela surpresa que cada dia traz pela mão. Que enchamos o coração de gratidão que é o alfabeto com que a alegria se revela. A vida pode ser mais do que a expressão férrea de uma multiplicidade de finalidades e desculpas exteriores: pode ser transparência pura de si.

sábado, 1 de agosto de 2015

Os milagres não se fazem notar


Quando se faz um bem, importa cuidar das aparências, revelando apenas o essencial. O ideal atinge-se quando tudo parece fruto do acaso! O mal procura sempre criar grandezas pomposas em torno dos seus gestos. A vaidade é um sinal claro de um mal que pretende disfarçar-se.

O amor e a inteligência exigem delicadeza. Só através dela se atingem as profundidades. Não se trata de uma fragilidade, no sentido de fraqueza, antes de uma perfeição que procura apenas não se fazer ver aos olhos da multidão.

Mesmo quando são grandes os milagres passam despercebidos. Há gente que não sabe que é sagrado o chão que pisa, que não se dá conta de que o fundamento da sua existência não é o que parece…

A força bruta pode muito pouco. Os milagres parecem muitas vezes insignificâncias. Quem não viu já coisas pequenas revelarem-se enormes e coisas grandiosas sem qualquer valor?

Não se trata de um disfarce, uma fraude ou um engano. Mas apenas o bem cuidando de não se manifestar de forma evidente como seu autor. Recolhendo-se, sem se ocultar.

Importa aprender a olhar. Distinguir os aspectos subtis e delicados de cada coisa, reconhecer as relações, as diferenças e as harmonias.

É preciso que o coração aprenda a estar atento.

Os milagres não são tão raros quanto se julga. As árvores crescem e as flores brotam todos os dias, sempre sem qualquer alvoroço. É a beleza pura, apenas.

Todos os dias, há gente a nascer e gente a morrer... enquanto tantos outros julgam que no mundo continua tudo igual... a criação é uma constante do tempo.

O que começa por ser uma mera suspeita, pode revelar-se, quando se é capaz de ver até ao fundo, um milagre. Uma espécie de enigma que se aprende a desvendar e, depois, a admirar.

Não há fortunas nem destinos, o bem está no coração e nas mãos dos que sabem sonhar, viver e amar. Longe das aparências enganadoras e vaidosas. A liberdade humana tem os olhos bem abertos e não tem asas nem rodas nos pés. Apenas a sua vontade de criar, de dar ao mundo um mundo melhor. A capacidade de criar por pura bondade. O bem quer construir mundos novos e bons enquanto o mal teima em desfazer tudo a partir da destruição de cada coisa.

Fazer acontecer um milagre é possível a qualquer um de nós. Alimentar um faminto, acolher com um olhar aquele que é invisível aos outros, sorrir quando se chora, dar a mão a quem sofre... acolher no íntimo dos nossos silêncios aqueles que mais precisam do nosso amor.

Nada acontece ao acaso. Não há fado nem sorte. Essas coisas só fazem sentido às inteligências que desistiram de compreender, tornando o seu inimigo mais forte, ao entregar-lhe as armas que deveriam servir para o combater. Mais: para, em seguida, lhe pedir benevolência e perdão pelo bem e pelo mal que não se fez...

Frágil é quem não sabe o que quer.

É mesmo possível conduzir o próprio destino, levando-o pela mão.

A sabedoria conhece e usa a dose certa em cada gesto. A perfeição é sempre simples, mínima e subtil. Ainda assim, apesar de toda a sua divina delicadeza, há milagres que se repetem até alcançarem o seu propósito!

José Luís Nunes Martins 

Vê que interessante a quantidade dos nossos antepassados: Pais: 2 Avós: 4 Bisavós: 8 Trisavós: 16 Tetravós: 32 Pentavós: 64 Hexavós: 128 Hep...