sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Nascer de novo

A Dulce partilha connosco este email emocionante que recebeu e com um testemunho de Pedro Ribeiro e partilho-o connosco.

"Hoje, estive morto. Senti que toda a vida se escapava pelo ar que, aflito e a custo, respirava, enquanto as lágrimas eram gritadas, louco no carro, os olhos à procura, à procura, à procura. Morri, ali. A minha filha deveria sair da Escola, na Parede, apanhar uma carrinha do ATL e eu ia buscá-la.

O que é que aconteceu? O cartão da escola, que supostamente controla as entradas e saídas dos alunos, valeu zero. Ela saiu, porque viu uma carrinha de ATL e entrou. Era o ATL errado. Ninguém lhe perguntou o nome, não houve uma chamada, nada. Ela entrou com uma colega e só após duas horas de aflição indizível, comigo à procura dela por todo o lado, é que o telefone tocou. De um "After School", a perguntar se eu era o pai de uma Mafalda Ribeiro, que eles tinham, aflita, a pedir para ligarem ao pai. Aliás foi ela que falou: "papá?"

Durante duas horas, morri. Percorri ruas de possíveis percursos, olhei para todas as sombras, parques infantis, supermercados, escola antiga, liguei para os pais de colegas dela, todos os absurdos e horrores passaram pela minha cabeça, chamei o seu nome, entre choro, em ruas e em todos os recantos da escola.

Nada. Evaporou-se. Horrível. Uma tristeza, uma aflição, um horror que nunca mais vou esquecer. E quando o telefone tocou e era ela, aquela voz doce da minha princesa, minha vida, meu ar, meu sopro de vida, eu soube o que era renascer. E desfiz-me em lágrimas de novo, e dali até ao tal After School, que teve a minha filha à sua guarda por engano, até ela pedir para ligarem ao pai, levei um segundo e levei toda a vida.

Obrigado meu Deus, obrigado! Estacionei às tês pancadas, voei em passo trocado de nervos, pela rua fora, Mafaldinha, Mafaldinha, Mafaldinha, cego de amor aflito, só há descanso e vida quando a abraçar e estiver tudo bem.

Quando a abracei, e ela, agarrada a mim, me disse, apenas: "Olá Papá" eu soube que tinha renascido. E ela também, coitadinha.

Como cartão de visita da nova escola, estou esclarecido. Tantas referências boas e afinal é isto: no primeiro dia, por maioria de razão, deveria existir um ainda mais rigoroso controlo de entradas e saídas, mas quando cheguei o portão estava escancarado, como deveria estar quando a Mafalda viu uma carrinha do ATL a chegar, estava na hora e ela saiu da escola e entrou na carrinha. Ninguém perguntou nada, ninguém fez nada.
E um ATL mete um grupo de crianças numa carrinha, não pergunta nomes, não verifica nada e só ao fim de duas horas é que, perante a aflição de uma criança de 10 anos a pedir para ligarem ao pai é que se acaba com este horror?

Quando penso na forma como desaparecem crianças, para sempre, todos os dias, penso que esses pais e filhos terão sentido isto, e muitos, mesmo sobrevivendo, morreram para sempre.

Eu tive a sorte de poder renascer. E sei que, a partir de hoje, ganhei uma nova causa: fazer tudo o que estiver ao meu alcance para contribuir para uma Escola responsável, atenta, segura, onde os nossos filhos aprendem e podemos, enquanto pais, estar descansados.

Quando depois desta tarde de horror, fui buscar o pequeno Gonçalo ao colégio e ele me disse, comprometido, "Papá, parti os óculos a jogar à bola" eu disse para mim: que importância é que isso tem? Nenhuma, realmente, não tem nenhuma importância.

Não podia dizer-lhe que o pai hoje tinha aprendido o que é morrer, e tinha tido a bênção de poder nascer de novo."
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2 comentários:

  1. O TANTO QUE JÁ APRENDI EM QUASE
    E APENAS 2 ANOS...

    Agora sei que numa partilha de muitos momentos
    implicando-nos com outros irmãos
    podemos sempre e de alguma forma nascer de novo...
    e sentirmos uma tão grande benção na nossa vida.

    Reconhecida estarei sempre.
    Obrigado Padre Nuno, bem haja..!

    Um abraço amigo.
    Dulce

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  2. PADRE NUNO


    Meu Querido Amigo,

    Primeiro sobre este testemunho de Pedro Ribeiro:

    Há muitos anos e no processo de autonomização de meu filho, agora com trinta e um anos, no caminho de regresso a casa, vindos da escola, decidimos, num troço seguro do percurso, que ele ía por ali e eu por aqui.

    Acontece que, por alguns momentos e imprevisivelmente deixámos de estar em contacto visual um com o outro ...

    O que eu senti foi de tal ordem que àquilo que Pedro Ribeiro sofreu, ainda hoje o sinto como se fosse hoje e, por isso, a ele inteiramente me associo, solidário!

    Quanto à Dulce ou melhor, quanto a Si:

    Soube por esta Amiga que por Seu intermédio conheci que se celebram no dia vinte os dois anos do Seu ministério na Paróquia de S. Julião da Barra ...

    A julgar pelo entusiasmo com que a Dulce fala do Vosso trabalho imagino o que a ela, à Paróquia, o Padre Nuno já terá dado ...!

    Por razões de força maior, não poderemos estar presentes no tributo que Lhe venha a ser eventualmente prestado, no entanto, aqui ficam os meus desejos de continuação de bom, pelo menos tão bom ministério como aquele que até agora exerceu tanto aí como por onde, até aqui, passou!

    Felicidades com um grande Abraço


    Jaime Latino Ferreira
    Estoril, 18 de Setembro de 2010

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