quinta-feira, 12 de junho de 2014

As lojas que vendem vento...

As lojas que vendem vento...

Que saudades!

É verdade!

Que saudades eu tenho do tempo em que lia Cervantes!

Que saudades do tempo em que a imaginação voava pelas lezírias de Castilla la Mancha, por onde a imaginação se perdia entre moinhos e gigantes à procura da Dulcineia de antanho.

Que saudades eu tenho do Quixote, e do vento e do sol e das planícies, do vento que enfunava as velas dos moinhos por onde girava o vento das quimeras e do sol que amadurecia o pão ganho com trabalho honesto!

Infelizmente, neste tempo em que as “manchas” não estão já só por Castela, do Quixote sonhador e generoso só sobrou o Sancho rústico, bronco, egoísta, calculista, carreirista... diplomado.

Que saudades de saber de onde soprava o vento!

Que raiva por perceber de onde sopram agora os novos ventos!

Num tempo em tudo se mercadeja, até e sobretudo a dignidade cada vez mais percebemos que até o vento se vende... isso mesmo, o vento que enfuna as velas dos moinhos... esse, também esse está à venda... e há lojas de vender vento!

Lojas “musicais”, com nomes ilustres e sonantes... Pobre Bach, pobre Mozart, pobre Beethoven, pobre Quixote, pobres nós... pobres de nós... só ficamos com o Sancho, mais a pança, que nunca está saciada...

Hoje, do meu mundo, sobra-me a minha cidade, sobra-me um espaço onde cada vez mais me perco no vozear estonteante de messias desejados, de virgens mais castas que a casta Susana, a gritar inocência, que se vão passeando pelas lojas, pelas tais lojas que vendem vento, com nomes sonantes e tudo!

Não, não fui eu, não fomos nós... foram eles... sempre eles, os outros, os sem nome, os inomináveis, eles sim... são os culpados... nós não, nunca!



Hoje, na minha cidade, sobra-me o fastio do centro comercial, atafulhado de miríades de cores e de provocações. Cheios! Cheios até mais não poder ser de lojas que vendem vento, como se não houvesse amanhã!

Os neons ofuscam a pouca visão que ainda me resta e que me vai permitindo vislumbrar as montras... das lojas que vendem vento.

São ventos outros os que vão soprando, pelos corredores do centro comercial da minha cidade, das promoções infinitas, dos desatinos consumados, do vozear alvoroçado das virgens, estouvadas, azougadas, apoucadas...

Pelos corredores, olhando as montras escondidas pelo brilho dos neons, vou tentando perceber qual é a loja que está no comando.

É, no centro comercial da cidade que me resta, resta-me ir percebendo qual é a loja de turno, assim mesmo, como nas farmácias... qual é a loja de turno que está a dar as ordens que hão de ser cumpridas no Centro Comercial, pelas outras lojas, à espera que chegue a sua vez, à espera que chegue o seu turno.

Por aqui, vou eu comprando a existência que me resta, vou eu sonhando, quixotescamente a esperança que me não morre, a esperança que me mora, que eu habito e que me habita.

Por aqui vou eu, vamos nós, nós que não somos os outros... porque somos simplesmente nós.

Vamos, Francisco, vamos à Jordânia, à Palestina, a Israel, vamos ao mundo, ainda que vamos sozinhos, deixa lá, vamos os dois!

Da última vez que lá estivemos, naqueles 3 dias fabulosos, nós por cá, fizemos os nossos alinhamentos noticiosos como tinham que ser feitos... eleições europeias, seleção de futebol, zanga das comadres e depois, ah sim... depois... vieste tu, Francisco! Depois vimos-te a fazer tudo o que tinha que ser feito, a dizer tudo o que tinha que ser dito... mas já estávamos lançados na discussão que importava... o gelo na perna do Ronaldo era muito mais importante...

Mas nós vamos, Francisco, lá estivemos no dia 8 de junho em Roma, com o Shimon Peres e o Mahmoud Abbas, lá rezámos pela paz.

As comadres ainda devem andar zangadas por essa altura, o gelo da perna do rapaz ainda não deve ter derretido, a Europa lá andará de armas e bagagens entre Bruxelas e Estrasburgo, mas nós vamos!



Fr. Fernando Ventura, ofm cap
© SNPC | 11.06.14

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