Eu, pecador, me confesso de uma falta consciente e voluntariamente cometida no passado dia 12 de Maio, na portagem de entrada em Fátima, pouco antes da chegada do Santo Padre. Com efeito, quando dei ao zeloso funcionário a quantia que lhe devia pelo troço de auto-estrada percorrido, disse-lhe com fingida seriedade que, se Bento XVI passasse por ali, fizesse o favor de não lhe cobrar a portagem…
Estupefacto, o portageiro gaguejou:
- Mas, o Papa vai passar por aqui?!
Não, Sua Santidade não ia passar por ali, para tranquilidade da inocente vítima da minha bem-humorada maldade sacerdotal, a quem logo esclareci, para o bem da sua alma e paz da minha pesada consciência. De facto, Bento XVI não passou por aquela portagem que, quanto muito, sobrevoou de helicóptero, mas franqueou outras fronteiras, cruzando os espaços da nossa interioridade.
Passou pelos corações das crianças que o esperavam no aeroporto e nos Jerónimos, com cânticos de alegria.
Passou pelas autoridades a quem protocolarmente cumprimentou, dando a um gesto formal o alcance de um acolhimento pastoral.
Passou pelo entusiasmo dos jovens que encheram de cor e de júbilo o Terreiro do Paço e, depois, sob as janelas da Nunciatura Apostólica, cantaram ao Papa a felicidade que lhes vai na alma cristã.
Passou pelas mentes ilustres dos agentes da cultura, num Centro Cultural de Belém repleto de personalidades sisudas que, por um momento, se ergueram para aplaudirem, de pé, o porta-voz da verdade que nos faz livres.
Passou pelas vidas de milhares de padres, religiosos, missionários e seminaristas, cuja entrega a Deus e ao próximo consagrou ao Imaculado Coração de Maria, a todos chamando a uma mais plena e decidida resposta à graça do dom e da missão.
Passou pela existência prosaica dos fiéis congregados na imensa esplanada da Cova da Iria, naquela vigília memorável de oração e de fé, e depois prolongada na impressionante Eucaristia matutina do dia 13.
Passou pelo serviço dos que se dedicam à pastoral sócio-caritativa, neles despertando renovados anseios de autêntico apostolado cristão.
Passou pelo fraternal abraço aos bispos portugueses, confirmando-os na sua autoridade e serviço eclesial e recordando-lhes a dimensão profética do seu munus pastoral que, por ser católico, deve estar aberto a todas as multiformes manifestações do único Espírito.
Passou pelos milhares de fiéis, invictos do frio e da chuva na urbe invicta, e que protagonizaram uma emocionante despedida ao Papa peregrino, já em vias de regressar à capital da Cristandade.
Passou pelos céus que abençoou e pelas terras que, sobrevoando, tocou com a sua benfazeja sombra de sucessor de Pedro.
E passou também por todas as televisões, passou pelas rádios das mais díspares frequências, pelas manchetes de todos os jornais e publicações, pelos cartazes urbanos, pelas bandeiras e pelos estandartes agitados ao vento, pelas embarcações engalanadas sobre as águas do Tejo e do Douro.
Passou sobretudo pelos sorrisos das crianças, pelo entusiasmo dos jovens, pelo consolo dos doentes, pela esperança dos velhos, pela contrição dos pecadores e pelo fervor dos santos.
Sim, eu pecador me confesso de ter sido percurso do Papa Bento XVI, porque o seu sorriso paternal ainda brilha na minha alma e a sua voz amabilíssima de bom Pastor perdura na minha mente e no meu coração.
Deo gratias!
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada
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