do Lat. ciboriu; s. m., a parte mais alta que exteriormente remata ou cobre a cúpula das grandes igrejas ou dos edifícios monumentais. Este blog é, na sua grande maioria, partilha de videos e textos de diversos autores que recebo diariamente. Com a visão dos outros podemos ver mais alto, mais longe...
sábado, 30 de novembro de 2013
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
Parar de ferir a família de Deus
Entre cristãos também surgem desavenças. Não sendo o ideal, o que é verdade é que há despiques e, por sinal, bem acalorados. No entanto, pior do que roçarem o desrespeito por posições contrárias é enveredarem por soluções inaceitáveis. Em vez de tratarem no ambiente fraternal os seus diferendos, lamenta-se a opção por meios litigiosos. Além de se maltratarem publicamente, acabam por esmurrar o evangelho. Escolher ringues seculares para dirimir divergências espirituais é um contra-senso. Teimar em dar tiros nos pés é prova de falta de amor próprio e, sobretudo, a Deus. Tendo-lhes Ele dado o privilégio de ajuizar todas as coisas, não lembra a ninguém recorrer a pessoas que não O temem. Daí a legítima pergunta que ainda hoje paira no ar: “Não há, pois, entre vós sábios, nem mesmo um, que possa julgar entre os seus irmãos?”. Na falta de alternativas mais vale sofrer-se a injustiça e o dano pois já é suficientemente vergonhoso que haja “demandas uns contra os outros”. É tempo, e com significativo atraso, de largar as questiúnculas, parar de ferir a família de Deus e deixar de maltratar o Seu reino.
Jónatas Figueiredo
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
Um amigo é um irmão que escolhemos
Quão frequente é ouvirmos e lermos a palavra “amigo” ou “amizade” durante o nosso dia?
De facto, situações não faltam, a começar pelas músicas que passam na rádio, nos anúncios de televisão, na internet, em conversas com pessoas…
mas será que já paraste para pensar na mais autêntica e pura definição de amizade?
Será sequer possível encontrar uma boa definição, quando temos relações tão diferentes de amigo para amigo? (...)
“Quem encontrou um amigo, descobriu um tesouro”, ensina a Bíblia.
Um amigo é um irmão que escolhemos.
Alguém que entende, como mais ninguém, as nossas conversas mais longas, as nossas tímidas meias palavras e até os nossos silêncios.
Junto a um conhecido muitas vezes não conseguimos estar sem falar pois sentimos o desconforto do silêncio.
Mas, perto de um amigo, podemos estar calados confortavelmente sem nos sentirmos constrangidos.
Com ele podemos até falar demais, sem ter medo de dar a conhecer o nosso mais íntimo ou de guardar um segredo.
Com um amigo, podemos dar uma gargalhada livre, solta, ou podemos chorar sem nos sentirmos menores, porque ele nos compreende.
E, porque é natural filtrarmos, não só o que dizemos mas também a quem o dizemos, imagina-se muitas vezes estas relações entre pessoas como uma peneira.
Se alguém me é completamente desconhecido ou não me dá provas para partilhar o mais íntimo de mim, então os buracos da minha rede são muito apertados
e pouco passa para o outro lado.
Mas, à medida que uma amizade se fortalece, os buracos tornam-se maiores e começo a pôr menos barreiras ao que penso e ao que posso/quero contar a essa pessoa.
Por isso, um amigo faz-nos compreender o significado da palavra confiança, a base de todas as relações de amizade, pois é ela que alarga a rede da nossa peneira, muitas vezes sem repararmos.
Os frutos são evidentes: confiamos sentimentos, emoções, experiências que nos marcam.
Quantas vezes isto não reduz substancialmente o peso da nossa cruz ou aumenta, espantosamente o tamanho da nossa alegria?
Mas, não nos esqueçamos, é preciso haver retorno.
Há amizades que falham porque assentam apenas no esforço sincero de uma das partes.
A amizade é uma história recíproca.
Há pessoas que se lamentam da falta de amigos ou que olham para trás no tempo e vêem que não conseguiram manter muitas amizades muito especiais.
Contudo, não se lembram da importância de investir tempo a “cativar” e a “criar laços”.
Como diria a raposa ao Principezinho no livro de Antoine de Saint-Exupéry: “foi o tempo que perdeste com a tua rosa que a tornou tão especial.”
A amizade exige empenho, dedicação e lealdade.
As amizades verdadeiras ajudam-nos a crescer porque um amigo é aquele que em vez de nos dizer o que queremos ouvir, não se enfarpela muito para nos dizer o que realmente precisamos de ouvir.
Um amigo não tem de nos dar sempre palmadinhas nas costas.
Às vezes é mesmo difícil pôr o dedo na ferida, implica muita coragem porque sabemos que nos estão a tocar num ponto fraco.
Assim, é ele que puxa por nós e nos desinstala para nos pôr em movimento.
E que graça tão grande quando encontramos um amigo em que eu me torno mais eu, e ele mais ele.
Se eu não sou verdadeiro e não te ajudo a caminhar para a verdade não mereço ser teu amigo.
Mas quando passamos muito tempo com uma pessoa ou conversamos com alguma frequência com ela, ganhamos confiança e à-vontade e às vezes desse à-vontade nascem desentendimentos, mal-entendidos e até mesmo algumas zangas.
É mesmo importante irmos aprendendo a olhar para essas situações com humildade (reconhecendo a parte da culpa de cada um) e recorrendo ao perdão.
Sem perdão não há amizades sólidas.
No fundo, são desafios que nos são propostos e que quando bem geridos e vividos acabam por fortalecer uma amizade.
A cena da visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel mostra-nos como a amizade é algo de especial e que se pode (re)descobrir pela vida fora, senão vejamos:
1. Maria corre para ajudar Isabel (a amizade é um desejo de estar próximo; é uma disponibilidade para ajudar).
2. A alegria do encontro (a amizade é essa alegria pura de um simples encontro).
3. O Magnificat (a amizade é um dom de Deus que nos faz dar graças).
in Caderno de Pilotagem EJNS - 2012
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Testemunho de um pároco
«Sou pároco em Carpi, na Emilia Romagna, uma região onde a gente é honesta, trabalhadora mas, por tradição, indiferente à Igreja, ou até mesmo manifestamente hostil. A participação na missa dominical é muito baixa e muitos funerais realizam-se na forma civil.
Aquele pouco de fé que sobrevive, dificilmente se faz notar. Procuro reconhecer nesta situação um rosto de Jesus crucificado e ver as pessoas com o Seu olhar: Ele fez seu todo o vazio, todo o pecado, e veio para nos salvar.
Tinha chegado à paróquia há poucos dias quando me avisaram que, no condomínio, havia um doente. Bati à porta. Ele próprio me responde, dizendo não ter tempo para mim. Penso: também Cristo foi rejeitado. Por isso sou semelhante a ele numa pequena parte! Uno-me a Ele e, no meu coração, nasce a alegria. Aquele doente, depois, morreu nos braços da Igreja.
Estou convencido de que ninguém está longe do amor de Deus. Quando alguém me diz que não reza, não vai à missa e talvez nem creia, sublinho: tu és honesto, amas a tua família, fazes voluntariado. Também tu vives o Evangelho! A quem se sente excluído da vida da Igreja por estar só casado civilmente e não poder receber a Eucaristia, recordo-lhe que pode entrar em comunhão com Jesus doutros modos: vivendo a sua Palavra, amando o irmão, abraçando os sofrimentos. Isto atrai-os: as pessoas descobrem que já estão “dentro” do amor de Deus e, para muitos, começa uma nova busca.
Hoje, cerca de duzentas pessoas vêm uma vez por mês à paróquia, para aprofundar em pequenos grupos o Evangelho. Escutam a Palavra de Vida e depois partilham entre si as experiências. Mais de metade não tem prática religiosa e cerca de um terço está em situações familiares não regulares. Mas captam um clima de alegria que conforta e envolve. Sabem que não queremos impor-lhes nada e, por isso, sentem-se livres para expor também as dúvidas, os fracassos pessoais ou familiares, os problemas de trabalho. E, pouco a pouco, começam a contar os primeiros gestos de amor aos outros.
Pelo menos quinze casais frequentam agora a missa diária, e três deles decidiram pelo matrimónio na Igreja, após anos de união de facto ou de casamento somente civil. Alguns tornaram-se sensíveis à comunhão de bens e oferecem tudo quanto têm de supérfluo, às vezes com regularidade. Não nos cabe a nós converter as pessoas, mas apenas amá-las. A mudança nasce do encontro com Deus, da descoberta da sua Palavra.
No âmbito da paróquia há uma associação de idosos. A maior parte deles manteve sempre uma animosidade contra a Igreja. Quando construíram a sua nova sede, propus no conselho pastoral que déssemos um contributo. Na altura, ouve uma reação: seria melhor ir falar-lhes de Deus! Explico que nos cabe a nós, que acreditamos no Evangelho, ser os primeiros a amar. Decidimos dar uma pequena oferta, com uma carta de agradecimento pelo bem que têm feito em favor dos idosos do bairro. Este gesto disse-lhes mais do que uma pregação: os idosos tinham lágrimas nos olhos. E abriram-se ao encontro com a Igreja».
Testemunho de vida, Padre Carlo, Itália
terça-feira, 26 de novembro de 2013
Viver plenamente
Viver plenamente significa abandonar a lógica de dobrar o mundo, tudo aquilo que nos rodeia, à nossa vontade; viver plenamente significa procurar integrarmo-nos, nele da melhor maneira. Devemos aprender a partilhar, a participar, a unirmo-nos, e não a dividir ou a dominar ou a controlar o outro.
A história de cada um de nós é aproximarmo-nos do invisível, do espiritual.
Existe um plano de Deus, preparado para cada um de nós, ainda antes de nascermos; compete a cada um de nós aderir-lhe ou não, procurá-lo ou não.
Como reconhecer uma pessoa que vive verdadeiramente?
Pelos seus frutos.
Sobretudo, é preciso dar bons frutos.
«Porventura podem colher-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Toda a árvore boa dá bons frutos e toda a árvore má dá maus frutos. A árvore boa não pode dar maus frutos nem a árvore má, dar bons frutos. Toda a árvore que não dá bons frutos é cortada e lançada ao fogo. Pelos frutos, pois, os conhecereis» (Mt 7,16~20).
O meu homem sente, dentro de si, que deve fazer alguma coisa nesta terra, completar um desígnio, realizar um projeto, alcançar um objetivo.
Mas, se não formos conscientes, se não tivermos em conta a nossa componente psicoespiritual, acabaremos por viver o mundo como lugar de competição, de agressão, onde o único objetivo é sobreviver, é pensar no nosso interesse pessoal e, consequentemente, viver o outro como coisa ou objeto, sempre em nosso proveito.
A espiritualidade revela-nos que o mundo não é nosso, que o outro não é nosso, que a natureza, que o mundo em que vivemos não são nossos.
Nada é nosso.
Nem sequer o corpo em que vivemos. Somos apenas hóspedes.
Porque tudo é de Deus.
Por outro lado, quando não nos sentimos realizados, satisfeitos com as nossas existências; quando não temos sentido espiritual, experimentamos um sentimento de mal-estar.
Sentimo-nos inúteis, anónimos, confusos.
É o modo como vivemos a vida que é importante.
É o modo e a atitude como e com que enfrentamos cada momento do dia, cada encontro, que faz toda a diferença.
Só teremos sucesso, quando deixarmos de nos preocupar com o nosso sucesso pessoal.
Quando já não nos preocuparmos com possuir, é que começaremos a ter.
Quando não nos preocuparmos com controlar, seremos livres.
A nossa vida é como um campo infinito de possibilidades, de oportunidades.
Por isso, quanto mais nos separarmos de ideias preconcebidas, de preconceitos, tanto mais nos abrimos à possibilidade de mudar, de nos transformarmos.
Ou melhor, permitimos que a nossa pessoa atraia a si coisas, pessoas, situações que ajudarão a realizar os seus objetivos.
Tenta imaginar, por exemplo, como seria a tua vida sem medos, sem complexos de culpa ou de inferioridade (...).
Quase todas as nossas vidas rodam, sem que nos apercebamos disso, ao redor da neurose, dos nossos complexos, dos nossos medos.
Por isso, por exemplo, estamos sempre à defesa ou preferíamos agredir.
Só com a espiritualidade, com a criatividade podemos sair das prisões invisíveis que criamos para nós.
- A rigidez não é um valor.
- Quanto mais rígido fores, tanto mais negativo serás.
- Quanto mais rígido fores, tanto mais fechado serás.
- Quanto mais rígido fores, tanto mais limitado serás.
- Quanto mais rígido fores, tanto mais ciumento serás.
- Quanto mais rígido fores, tanto mais invejoso serás.
- Quanto mais rígido fores, tanto mais perigoso serás.
- Quanto mais rígido fores, tanto mais incapaz serás de compreender os outros.
Pelo contrário, uma pessoa criativa, espiritual, é uma pessoa aberta, disponível, otimista, flexível e generosa.
Frequentemente, é a nossa educação, são os usos e costumes do nosso ambiente que nos bloqueiam.
Mas, quando se vive coerentemente o motivo, o objetivo por que viemos ao mundo, quando estamos no percurso de crescimento psicoespiritual, já nada mais é impossível.
O conhecimento das nossas verdades funda-se no nível de maturidade, no conhecimento de nós mesmos.
Se descobrirmos verdadeiramente quem somos, também reconheceremos as nossas potencialidades e respeitar-nos-emos a nós próprios.
Além disso, cada ação realizada para satisfazer uma necessidade começa com a atividade de pensamento. Cada um de nós deve tomar, se responsável não somente pelas suas ações, mas também pelos seus pensamentos, pelas suas emoções.
No fundo, somos nós quem escolhe a vida que estamos a viver.
Valerio Albisetti
In Felizes apesar de tudo, ed. Paulinas
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
Fazer da Fé experiência vital
Erri di Luca escreve de forma muito pertinente que a Fé é
deixar de tratar Deus pela terceira pessoa e passa-Lo a tratar pela segunda.
O vocabulário bíblico da Fé pode ensinar alguma coisa a quem
se questiona no século XXI sobre a relação com Deus? A Bíblia define a Fé
sobretudo de dois modos: como temor de Deus e como confiança. Parecem coisas
completamente inconciliáveis, mas talvez não sejam. A Fé para ser experiência
vital deve misturar ambas.
O temor de Deus tem o seu fundamento na consciência da
alteridade de Deus. Deus é Deus. Quer dizer: Deus é (e há de continuar) uma
pergunta infinita; é Todo-Outro, transcendente e pleno de mistério. Temor,
porém, não quer dizer medo: é precisamente o resultado da anulação do medo e da
sua substituição por um misto de reverência perante a imensidão de Deus. Vista
dessa perspectiva, a Fé é o modo de permanecer fiel a este Deus cuja
transcendência é compreendida não como terrífica ou paralisante, mas sim
suscitadora de uma abertura orante. Esta é, por exemplo, a Fé de Job que,
quando confrontado com a omnisciência de Deus, diz: "Vou pôr a mão na
boca, e não volto a dissertar insensatamente sobre Deus" (Job 39, 37-38).
E, no mesmo sentido, a de São Gregório Palamas, teólogo do século XIV: "A
natureza de Deus não pode ser pensada, nem vista, nem dita, porque está distante
de todas as coisas. Não existe nome para mencioná-La, nem neste século, nem no
futuro; e nenhuma palavra encontrada na alma e proferida pela língua, nem
qualquer imagem pode dar-nos o Seu conhecimento. Para nomear Deus é preciso
renunciar a tudo o que é ou pode ser nomeado". A Fé provoca sempre a
desarrumação dos nossos saberes e razões e mergulha-nos no silêncio. Os crentes
não têm a cabeça cheia de ideias sobre Deus. Quanto mais se vive de Deus menos
se sabe, ensinam os místicos.
Mas a Fé não se fica apenas pela purificadora consciência do
que nos distancia de Deus. A Fé é o impossível da presença tornado possível
pelo próprio Deus. Ele toma a iniciativa do encontro e a Fé explica-se então
como revelação, história comum, amizade partilhada. Por isso, sem a semântica
da confiança ninguém consegue descrever a Fé. O escritor italiano Erri di Luca,
que vive numa grande dilaceração entre crer e não-crer, escreve de forma muito
pertinente que a Fé é deixar de tratar Deus pela terceira pessoa e passa-Lo a
tratar pela segunda (Tu ou Vós). O próprio termo bíblico guarda uma variante
riquíssima de sentidos que vai nessa linha: significa “estar seguro em” e
alude, igualmente, à estreita relação que existe entre a mãe que aleita e a
criança que é ob¬jecto desse carinhoso cuidado. Jesus, que para os cristãos é
não só objecto de Fé mas também seu modelo, soube chamar por Deus como a
criança fala com o seu pai, com a mesma simplicidade, a mesma intimidade, o
mesmo abandono confiado. Lição a redescobrir para fazer da Fé uma experiência
vital.
José Tolentino Mendonça
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
O amigo número 3
1. Trago hoje uma antiga história rabínica, edificante, que se ajusta bem a este tempo de Novembro. Um homem tinha três amigos. Mas tinha-os catalogados por ordem de importância: o amigo n.º 1, o amigo n.º 2 e o amigo n.º 3. O amigo n.º 1 era naturalmente o melhor amigo do nosso homem; digamos que eram amigos íntimos, e, por isso, inseparáveis: andavam sempre juntos. O amigo n.º 2 era aquele amigo que o nosso homem encontrava de vez em quando, apenas de vez em quando, altura em que confraternizavam e punham a conversa em dia. O amigo n.º 3 era aquele género de amigo que o nosso homem encontrava muito raramente, por mero acaso, e de quem já nem sequer se lembrava do nome.
2. Um dia, o nosso homem foi apanhado de surpresa. Chegou-lhe pelo correio uma carta que provinha do palácio do Rei. O nosso homem abriu a carta, leu, releu, e ficou muito preocupado. Tratava-se de uma intimação que obrigava o nosso homem a comparecer no palácio do Rei. Ora, acontece que o nosso homem, o homem desta história, nem sabia o que era um Rei, e muito menos um palácio. Tão pouco sabia o caminho para o palácio. Mas preocupava-o sobretudo o modo como se devia comportar na presença do Rei. Não era o mundo dele.
3. Ficou aflito. Já nem conseguia comer nem dormir. Apoderou-se dele uma grande tremedeira. Quando isto nos acontece, lembramo-nos naturalmente de recorrer aos amigos. Foi assim que o nosso homem foi desabafar com o seu melhor amigo, o amigo n.º 1. Expôs-lhe o assunto que o preocupava. Tinha sido intimado a comparecer no palácio do Rei, e tinha muito medo, pois nada percebia de palácios e de reis. Foi assim que pediu ao seu amigo n.º 1 o favor de o acompanhar naquela viagem difícil. Nem era nada demais, dado que andavam sempre juntos, eram amigos inseparáveis. O amigo n.º 1 respondeu assim ao nosso homem: é verdade que somos muito amigos; de facto, andamos sempre juntos. Pede-me o que quiseres, que eu estou sempre disposto a ajudar-te; porém, nessa viagem, não te posso acompanhar.
4. É assim que o nosso homem, desiludido, tem de ir à procura do seu amigo n.º 2. Pô-lo a par do seu problema, e implorou-lhe, da mesma maneira, que o acompanhasse naquela viagem difícil. O amigo n.º 2 ouviu atentamente a exposição do nosso homem, e respondeu assim: sim, disponho-me a acompanhar-te, mas com uma condição: vou contigo, mas só até à porta do palácio; daí para a frente, terás de ir sozinho, pois não te posso acompanhar. O nosso homem, porém, insistiu: mas o meu problema é dentro do palácio, porque eu não entendo nada de reis e de palácios. Compreendo, retorquiu o amigo n.º 2, mas, nesse caso, não te posso mesmo ajudar. Terás de ir sozinho.
5. Foi então que o nosso homem se pôs a caminho para ver se encontrava o seu amigo n.º 3, aquele amigo de quem já nem se lembrava do nome nem de quando tinha sido a última vez que se tinham encontrado. Com alguma sorte, lá o encontrou. Expôs-lhe o problema, e suplicou-lhe que o acompanhasse naquela viagem difícil. O amigo n.º 3 ouviu atentamente, e nem sequer deixou o nosso homem terminar. Respondeu logo: mas é claro que te acompanho. Até te digo mais: ficaria mesmo muito triste, se soubesse que estavas a braços com esse problema, e não me tivesses dito nada!
6. A história rabínica termina aqui. Mas, para entendermos o seu alcance, terei de a descodificar. O nosso homem, o homem desta história, sou eu, és tu, pode ser qualquer um de nós. O Rei é Deus. A viagem é a morte. O amigo n.º 1, aquele que anda sempre connosco, é a nossa própria vida, os nossos projetos, os nossos trabalhos, os nossos sonhos, as nossas ambições. De facto, andamos sempre juntos, somos inseparáveis. Todavia, naquela viagem, os nossos projetos e trabalhos não nos podem acompanhar. O amigo n.º 2, aquele que encontramos de vez em quando para confraternizar e pôr a conversa em dia, são os nossos próprios amigos. Aqueles que se mostram dispostos a ir connosco, mas só até à porta… do cemitério! O amigo n.º 3, aquele que muito raramente encontramos, de quem até acabamos por esquecer o nome, mas que até ficaria triste e sentido se não lhe disséssemos nada, e que é o único que nos pode acompanhar, é o Bem que fazemos, o Amor que pomos naquilo que fazemos.
7. Bem vistas as coisas, está bom de ver que temos de inverter a ordem dos nossos amigos, e passar para 1.º lugar aquele que temos no catálogo em 3.º lugar. Decisivo, decisivo, decisivo é o Amor. Temos de nos encontrar muito mais vezes com este amigo. Na verdade, diz bem S. Paulo, tudo passa; só o Amor permanece (1 Coríntios 13,8). Fica atento, meu irmão de Novembro.
António Couto
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
Deus e o tufão das Filipinas: O dilema de Epicuro
1. Como reagir na fé, a cenários de tragédia e de horror, como aqueles que vimos, esta semana, com imagens, que nos chegaram das Filipinas e do Vietnam, e de toda a região atingida pelo furacão Hayan?!
Perante a devastação da catástrofe ecológica, do incontável número de mortos, do inaceitável sofrimento das crianças, da insuportável tortura da fome, diríamos, que, de algum modo, a realidade do mal, volta a pôr Deus no banco dos réus!
Voltamos, quase sem querer, ao velho dilema de Epicuro: “Ou Deus quer tirar o mal do mundo, mas não pode” e então não é um Deus todo-poderoso! Ou “Deus pode tirar o mal do mundo, mas não quer” e então não nos ama verdadeiramente! Ou, se “Deus não quer tirar o mal do mundo e não pode” então não é nem bom, nem omnipotente”. Como compaginar afinal a fé num Deus, que é Amor, com uma “natureza que “se vinga sobre os seus filhos”? Como aceitar o silêncio de Deus, face ao grito dos inocentes?
2. Neste lugar não é possível um debate sério, sobre o assunto. Mas ainda assim, vou tentar dizer algumas coisas simples (?), que nos ajudem a ir ao fundo da questão.
1º O mundo e a humanidade são, na verdade, obra do amor criador de Deus. Ao decidir, livremente, criar este mundo, Deus não podia criar algo igual a Si mesmo, algo que fosse infinitamente perfeito, porque então confundir-se--iam o Criador e a própria criatura! Ao criar as coisas, essas coisas só podiam ser o que são: coisas finitas, inacabadas, imperfeitas, em processo, em evolução, em transformação, em aperfeiçoamento, no tempo presente. Se as coisas deste mundo fossem infinitas e perfeitas, deixariam de ser “coisas” e seriam “de outro mundo”. Portanto, ao ser criado este mundo, ele não poderia ser outra coisa senão uma realidade finita!
É, portanto, próprio deste mundo, e desta humanidade que somos, a finitude, a nossa imperfeição, que se vai superando, apesar dos nossos limites! Querer um mundo sem esta imperfeição, é praticamente como conceber um círculo quadrado!
2º Essa finitude, de que afinal não nos livraremos, no tempo presente desta vida, traz consigo a imperfeição moral do pecado, e arrasta consigo a imperfeição física do corpo, com a doença e a morte! Esta imperfeição, que resulta de um mundo que é finito, de um mundo sempre em gestação, explica, por exemplo, as indisposições da Natureza, as suas convulsões, os seus desmandos, os seus vulcões e furacões! A criação está em evolução, em crescimento. E, neste processo de crescimento, há dor, convulsão, agitação. Não há por que se admirar disso. “Ainda não é o fim”.
Mas caberia perguntar aqui: não são muitas destas catástrofes naturais consequência da nossa desordem espiritual, do nosso abuso desordenado dos recursos da Terra? Não foram feitas construções, em lugares desadequados?! Temos escutado o grito da Terra?
3º Mas – diremos nós então - se ao criar este mundo, Deus contava com estes “limites” todos, não seria melhor não o ter feito? Se é assim, o mundo e a vida do homem, valem mesmo a pena? Basta olhar para a tragédia destes dias. Nasce aqui e ali uma criança, a quem os pais dão o nome do tufão Hayan. Não é uma mensagem de esperança, de confiança, de certeza, que apesar de tudo, vale a pena?! Não é esta “força da natureza” um ato de fé, na vida do homem, que é um ser finito, mas com uma abertura infinita? Não é este nascimento um sinal de que o mal não pode destruir, em definitivo, a nossa vida?!
3. Em que ficamos, então, relativamente ao dilema, com que nos defrontámos ao início? Eu diria, olhando agora, para o nosso Cristo Crucificado e ressuscitado:
Sim, Deus quer tirar o mal deste mundo! E pôde fazê-lo, entrando neste mundo e lutando contra toda a espécie de mal. E pôde vencê-lo, tornando-se Ele próprio a mais injusta vítima do mal no mundo! Neste Deus de Jesus Cristo, Crucificado por nós, o mal tornou-se o lugar onde o amor venceu, onde o amor se revelou em toda a sua plenitude, onde o amor foi mais forte do que a morte! Sim. Deus quer e pode tirar o mal deste mundo! Agora, Deus está, neste mundo, do nosso lado, do lado de cada pessoa, para vencer o mal. Deus luta por mim, Deus luta connosco, contra toda a espécie de mal. E chama-nos a essa luta, para que o escândalo do mal dê lugar ao milagre do bem.
4. Disse o Cardeal Tagle, das Filipinas: “vemos destruição e ruínas em todos os lugares, mas também vemos a fé e o amor surgir daquelas ruínas e isso torna-nos pessoas mais fortes”. E, mais uma vez, recordo as sábias palavras do Papa Francisco: “Ao homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo, mas oferece a sua resposta sob a forma duma presença, que o acompanha, de uma história de bem que se une a cada história de sofrimento, para nela abrir uma brecha de luz” (LF 57).
5. Para terminar, com algo concreto e menos especulativo, vem-me à mente aquela pergunta que um dia fizeram a Madre Teresa: “O que pensa de Deus, quando vê este mundo cheio de injustiças, de solidão, de tragédias”. Ela respondeu, de imediato: “só penso numa coisa: ir ao encontro de alguém, fazer algo de concreto, para que este mundo se torne melhor”.
Seja este o nosso compromisso, no meio de um mundo, de um país e de uma fé em crise: rezar e trabalhar, sempre e sem desanimar, por um mundo melhor!
Amaro Gonçalo
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Sugestão de leitura para filósofos:
A. TORRES QUEIRUGA, Creo emn Dios Padre, Ed. Sal Terrae, Col. Presencia teológica, Santander 1986, 109-149.
terça-feira, 19 de novembro de 2013
Misericordina
Ao final do tradicional encontro dominical na Praça São Pedro, o Papa Francisco recomendou um “remédio espiritual” chamado “Misericordina”, que seria distribuído por voluntários aos presentes, dizendo, em tom de brincadeira: “Alguém pode perguntar: o Papa é um farmacêutico agora?”.
A bem da verdade, este ‘remédio espiritual’ nada mais é do que uma pequena caixa lembrando uma caixa de remédio, contendo no seu interior uma imagem de Jesus da Misericórdia, um terço com as 59 contas, acompanhado de uma ‘bula’ com ‘prescrições’ e posologia, como por exemplo, procurar um local silencioso e ajoelhar-se diante de uma imagem de Jesus da Misericórdia onde está escrito “Jesus, eu confio em ti”. No verso da 'bula', algumas passagens do Diário de Madre Faustina kowalska.
O Papa observou que com aquele terço poderia ser rezado o Terço da Misericórdia, “ajuda espiritual para a nossa alma, para nossa vida e para divulgar em todo lugar o amor, o perdão e a fraternidade”. E insistiu: “Não esqueçam de pegá-la, porque faz bem, eh? Faz bem ao coração, à alma e para toda a vida”.
A distribuição deste 'remédio espiritual' foi uma iniciativa do Elemosineiro Pontifício, Dom Konrad Krajawski, a partir de uma Idéia nascida na Polônia. Foram confecionados milhares de 'kits' em quatro línguas: italiano, espanol, ingês e polonês.
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
O meu tesouro
Senhor,eu podia, como outros,
agradar-Te e ter alguém;
poderia, como tantos, afirmar "sou teu"
e também dizer: "és minha, és meu".
Poderia ser escolhido e escolher
decidir sem perguntar o Teu querer
possuir e usar os bens do mundo
como outro qualquer.
Mas porque me chamaste e escolheste
e livremente me entreguei a Ti
sou apenas Teu, e em Ti, de todos.
Não sou dono de mim, não me pertenço,
nada tenho e também nada me falta.
Vivo do Teu Amor e posso amar
e ser pão repartido, vida entregue.
E vou-me dando conta de que ao dar-me
muitos outros recebem vida eterna.
Por eu Te pertencer sou tão amado
e por eu Te seguir a muitos salvas,
e por seres o meu tesouro os enriqueces.
uantos me procuram e Te encontram!
Porque sou alguém que Tu habitas
reconhecem em mim traços do Teu rosto
sinais da paternidade d'Aquele que Te enviou.
Tu és o meu tesouro, a minha herança.
Defende-me da vaidade e da mentira!
Por aqueles que me deste, Senhor,
mantém-me sempre fiel
conserva-me feliz no Teu Amor
Autor anónimo
sábado, 9 de novembro de 2013
Dar a volta
«Eu estou a tentar dar a volta.
O desafio é muito duro e temos de dar tudo por tudo.
Fazer o melhor possível e esforçar-se ainda mais.
O segredo é jogarmos unidos.
Atacar juntos todos e defendermos todos.
Porque para ganhar há que jogar em equipa
e, por isso, eu tenho a minha!
Um é avançado, outro guarda-redes e outro defesa.
Cada um faz parte da equipa.
Não estamos sozinhos.
Somos uma equipa e trabalhamos juntos para ganhar.
Na vida, há uma equipa mais importante.
Agora, muitos de nós, estamos a jogar o jogo mais difícil das nossas vidas
e precisamos de uma equipa para dar a volta.
E eu tenho uma grande equipa: a minha família!
Porque me animam a acordar em cada manhã.
Porque me fazem rir quando estou triste
ou aturam o meu mau humor quando tenho um dia menos bom.
Todos arregaçamos as mangas
e nos ajudamos em tudo o que é possível.
Porque sem os avós, os irmãos, os pais e as mães,
e até sem todos vocês,
muitos de nós perderíamos o jogo.
O importante não é a posição em que jogas
mas o esforço de cada jogada.
Porque, apesar das dificuldades,
se a equipa está unida, nunca desiste.
É que nós podemos sempre dar a volta!»
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
Grande lição
Primeiro dia de aula, o professor de 'Introdução ao Direito' entrou na sala e a primeira coisa que fez foi perguntar o nome a um aluno que estava sentado na primeira fila:
- Qual é o seu nome?
- Chamo-me Nelson, Senhor....
- Saia de minha aula e não volte nunca mais! - gritou o desagradável professor.
Nelson estava desconcertado. Quando voltou a si, levantou-se rapidamente, recolheu suas coisas e saiu da sala.
Todos estavam assustados e indignados, porém ninguém falou nada.
- Agora sim! - vamos começar .
- Para que servem as leis? Perguntou o professor - Seguiam assustados ainda os alunos, porém pouco a pouco começaram a responder à sua pergunta:
- Para que haja uma ordem em nossa sociedade.
- Não! - respondia o professor.
- Para cumpri-las.
- Não!
- Para que as pessoas erradas paguem por seus atos.
- Não!
- Será que ninguém sabe responder a esta pergunta?!
- Para que haja justiça - falou timidamente uma garota.
- Até que enfim! É isso, para que haja justiça.
E agora, para que serve a justiça?
Todos começaram a ficar incomodados pela atitude tão grosseira.
Porém, seguíamos respondendo:
- Para salvaguardar os direitos humanos...
- Bem, que mais? - perguntava o professor .
- Para diferençar o certo do errado, para premiar a quem faz o bem...
- Ok, não está mal porém respondam a esta pergunta:
"Agi correctamente ao expulsar Nelson da sala de aula?"
Todos ficaram calados, ninguém respondia.
- Quero uma resposta decidida e unânime!
- Não! - responderam todos a uma só voz.
- Poderia dizer-se que cometi uma injustiça?
- Sim!
- E por que ninguém fez nada a respeito? Para que queremos leis e regras se não dispomos da vontade necessária para praticá-las? Cada um de vocês tem a obrigação de reclamar quando presenciar uma injustiça. Todos. Não voltem a ficar calados, nunca mais!
Vá buscar o Nelson - Disse. Afinal, ele é o professor, eu sou aluno de outro período.
Aprenda: Quando não defendemos nossos direitos, perdemos a dignidade e a dignidade não se negocia.
Aprenda: Quando não defendemos nossos direitos, perdemos a dignidade e a dignidade não se negocia.
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
A vida de Deus é Amor:
«A vida de Deus é Amor:
amor desbordante, sem limites
e que se dá livremente;
amor que se inclina misericordioso
a toda a necessidade;
amor que cura o enfermo
e ressuscita o que estava morto;
amor que protege, defende,
alimenta, ensina e forma;
amor que chora com os que choram
e se alegra com os que estão alegres;
dispostos a servir a todos
para que cheguem a ser o que o Pai quer;
numa Palavra:
o amor do Coração Divino.»
Teresa Benedita da Cruz | 1891 – 1942
Edith Stein, Werk V, 11
Pai,
eu Te dou graças,
porque me chamas a ser o amor do Teu Coração.
Um amor que, como o Teu, se dá livremente;
um amor capaz de se inclinar
e servir em todas as circunstancias;
um amor capaz de aliviar a dor do enfermo
e ser sinal de esperança;
um amor capaz de fazer germinar sinais de vida
onde há morte;
um amor voltado para os irmãos,
disposto a fazer-se tudo para todos.
Pai,
dá-me um coração capaz de servir a todos,
para que todos possam sentir a força do Teu Amor
e a alegria de serem Teus filhos.
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
São Nuno de Santa Maria
S. Nuno de Santa Maria, Dom Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável: evocação por Bento XVI
A Igreja assinala a 6 de novembro a memória do Santo Condestável, que «embora fosse um ótimo militar e um grande chefe, nunca deixou os dotes pessoais sobreporem-se à ação suprema que vem de Deus», como realçou Bento XVI.
Recordamos a evocação de S. Nuno de Santa Maria redigida pelo Vaticano aquando da canonização, seguida de excertos da homilia da missa em que foi declarado santo, presidida pelo atual papa emérito.
«Nuno Álvares Pereira nasceu em Portugal a 24 de junho de 1360, muito provavelmente em Cernache do Bonjardim, sendo filho ilegítimo de fr. Álvaro Gonçalves Pereira, cavaleiro dos Hospitalários de S. João de Jerusalém e Prior do Crato, e de D. Iria Gonçalves do Carvalhal. Cerca de um ano após o seu nascimento o menino foi legitimado por decreto real, podendo assim receber a educação cavalheiresca típica dos filhos das famílias nobres do seu tempo.
Aos treze anos torna-se pajem da rainha D. Leonor, tendo sido bem recebido na Corte e acabando por ser pouco depois cavaleiro. Aos dezasseis anos casa-se, por vontade de seu pai, com uma jovem e rica viúva, D. Leonor de Alvim. Da sua união nascem três filhos, dois do sexo masculino, que morrem em tenra idade, e uma do sexo feminino, Beatriz, a qual mais tarde viria a desposar o filho do rei D. João I, D. Afonso, primeiro duque de Bragança.
Quando o rei D. Fernando I morreu a 22 de outubro de 1383 sem ter deixado filhos varões, o seu irmão D. João, Mestre de Avis, viu-se envolvido na luta pela coroa lusitana, que lhe era disputada pelo rei de Castela por ter desposado a filha do falecido rei. Nuno tomou o partido de D. João, o qual o nomeou Condestável, isto é, Comandante supremo do exército. Nuno conduziu o exército português repetidas vezes à vitória, até se ter consagrado na batalha de Aljubarrota (14 de agosto de 1385), a qual acaba por determinar à resolução do conflito.
Os dotes militares de Nuno eram no entanto acompanhados por uma espiritualidade sincera e profunda. O amor pela eucaristia e pela Virgem Maria são a trave-mestra da sua vida interior. Assíduo à oração mariana, jejuava em honra da Virgem Maria às quartas-feiras, às sextas, aos sábados e nas vigílias das suas festas. Assistia diariamente à missa, embora só pudesse receber a eucaristia por ocasião das maiores solenidades. O estandarte que elegeu como insígnia pessoal traz as imagens do Crucificado, de Maria e dos cavaleiros S. Tiago e S. Jorge. Fez ainda construir às suas próprias custas numerosas igrejas e mosteiros, entre os quais se contam o Carmo de Lisboa e a Igreja de S. Maria da Vitória, na Batalha.
Com a morte da esposa, em 1387, Nuno recusa contrair novas núpcias, tornando-se um modelo de pureza de vida. Quando finalmente se alcançou a paz, distribui grande parte dos seus bens entre os seus companheiros, antigos combatentes, e acabo por se desfazer totalmente daqueles em 1423, quando decide entrar no convento carmelita por ele fundado, tomando então o nome de frei Nuno de Santa Maria.
Impelido pelo Amor, abandona as armas e o poder para revestir-se da armadura do Espírito recomendada pela Regra do Carmo: era a opção por uma mudança radical de vida em que sela o percurso da fé autêntica que sempre o tinha norteado. Embora tivesse preferido retirar-se para uma longínqua comunidade de Portugal, o filho do rei, D. Duarte, de tal o impediu. Mas ninguém pode proibir-lhe que se dedicasse a pedir esmola em favor do convento e sobretudo dos pobres, os quais continuou sempre a assistir e a servir. Em seu favor organiza a distribuição quotidiana de alimentos, nunca voltando as costas a um pedido.
O Condestável do rei de Portugal, o Comandante supremo do exército e seu guia vitorioso, o fundador e benfeitor da comunidade carmelita, ao entrar no convento recusa todos os privilégios e assume como própria a condição mais humilde, a de frade Donato, dedicando-se totalmente ao serviço do Senhor, de Maria — a sua terna Padroeira que sempre venerou —, e dos pobres, nos quais reconhece o rosto de Jesus.
Significativo foi o dia da morte de frei Nuno de Santa Maria, o domingo de Páscoa, 1 de abril de 1431, passando imediatamente a ser reputado de “santo” pelo povo, que desde então o começa a chamar “Santo Condestável”.
Mas, embora a fama de santidade de Nuno se mantenha constante, chegando mesmo a aumentar, ao longo dos tempos, o percurso do processo de canonização será bem mais acidentado. Promovido desde logo pelos soberanos portugueses e prosseguido pela Ordem do Carmo, depara com numerosos obstáculos, de natureza exterior. Foi somente em 1894 que o Pe. Anastasio Ronci, então postulador geral dos Carmelitas, consegue introduzir o processo para o reconhecimento do culto do Beato Nuno “desde tempos imemoriais”, acabando este por ser felizmente concluído, apesar das dificuldades próprias do tempo em que decorre, no dia 23 de dezembro de 1918 com o decreto Clementissimus Deus do Papa Bento XV.
As suas relíquias foram trasladadas numerosas vezes do sepulcro original para a Igreja do Carmo, até que, em 1961, por ocasião do sexto centenário do nascimento do Beato Nuno, se organizou uma peregrinação do precioso relicário de prata que as continha; mas pouco tempo depois é roubado, nunca mais tendo sido encontradas as relíquias que contivera, tendo sido depostos, em vez delas, alguns ossos que tinham sido conservados noutro lugar. A descoberta em 1966 do lugar do túmulo primitivo contendo alguns fragmentos de ossos compatíveis com as relíquias conhecidas reacendeu o desejo de ver o Beato Nuno proclamado em breve Santo da Igreja.
O Postulador Geral da Ordem, P. Felipe M. Amenós y Bonet, conseguiu que fosse reaberta a causa, que entretanto era corroborada graças a um possível milagre ocorrido em 2000. Tendo sido levadas a cabo as respetivas investigações, o Santo Padre, Papa Bento XVI, dispõe a 3 de julho de 2008 a promulgação do decreto sobre o milagre em ordem à canonização e durante o Consistório de 21 de fevereiro de 2009 determina que o Beato Nuno seja inscrito no álbum dos Santos no dia 26 de abril de 2009.»
Na homilia da missa em que Nuno de Santa Maria foi canonizado, celebrada na Praça de S. Pedro, Vaticano, a 26 de abril de 2009, o papa Bento XVI evocou o Salmo 4: «Sabei que o Senhor me fez maravilhas. Ele me ouve, quando eu o chamo».
«Estas palavras do Salmo Responsorial exprimem o segredo da vida do bem-aventurado Nuno de Santa Maria, herói e santo de Portugal. Os setenta anos da sua vida situam-se na segunda metade do século XIV e primeira do século XV, que viram aquela nação consolidar a sua independência de Castela e estender-se depois pelos Oceanos – não sem um desígnio particular de Deus –abrindo novas rotas que haviam de propiciar a chegada do Evangelho de Cristo até aos confins da terra. São Nuno sente-se instrumento deste desígnio superior e alistado namilitia Christi, ou seja, no serviço de testemunho que cada cristão é chamado a dar no mundo», sublinhou.
O atual papa emérito salientou a «intensa vida de oração e absoluta confiança no auxílio divino»: «Embora fosse um ótimo militar e um grande chefe, nunca deixou os dotes pessoais sobreporem-se à ação suprema que vem de Deus».
«São Nuno esforçava-se por não pôr obstáculos à ação de Deus na sua vida, imitando Nossa Senhora, de Quem era devotíssimo e a Quem atribuía publicamente as suas vitórias. No ocaso da sua vida, retirou-se para o Convento do Carmo por ele mandado construir».
«Sinto-me feliz por apontar à Igreja inteira esta figura exemplar nomeadamente pela presença duma vida de fé e oração em contextos aparentemente pouco favoráveis à mesma, sendo a prova de que em qualquer situação, mesmo de caráter militar e bélico, é possível atuar e realizar os valores e princípios da vida cristã, sobretudo se esta é colocada ao serviço do bem comum e da glória de Deus», afirmou Bento XVI.
© SNPC | 05.11.13
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
«Se há algo que preciso de interiorizar é que devo esperar o melhor do próximo. Tenho de aprender a enxergar as capacidades dos outros com olhos de ver. Acreditar que são capazes de fazer para lá do que imagino. Reconhecer que é perfeitamente possível superarem-se. Tratar de recordar que Deus jorra incontáveis dons sobre os que me rodeiam. Necessito de encorajar regularmente aqueles com quem convivo. Certificar-me que verbalizo o quanto os admiro. Exprimir confiança na riqueza dos seus sentimentos e na excelência das suas motivações. Afiançar que descanso nos atributos que possuem, inclusive para deslindar as escaramuças em que se envolvam, a ponto de conseguir afirmar: “Vós mesmo estais cheios de bondade, cheios de todo o conhecimento, podendo admoestar-vos uns aos outros”. Desejo, igualmente, manter-me focado em servir a Jesus, deixando que Ele me use como entenda. É meu propósito, nos dias que Deus me for dando, apresentar Jesus em lugares onde Ele ainda não é conhecido. Contribuirei, “por causa da graça que por Deus me foi dada”, para que cada vez mais vidas O possam ver e entender. “Tenho, portanto, motivo para me gloriar em Cristo Jesus, nas coisas que pertencem a Deus!” (Rom 15, 14-21)».
Jónatas Figueiredo
domingo, 3 de novembro de 2013
Elogio da soberba cristã
Não falta quem, com mais ou menos razão, deplore as
fraquezas dos cristãos. Sem dúvida, todos as temos, talvez não tantas nem tão
graves quanto as de outros, mas decerto mais e piores do que as que seriam de
esperar em verdadeiros discípulos de Cristo e membros da sua Igreja. São
deploráveis esses maus exemplos, sobretudo é de lamentar que haja cristãos
vaidosos de mais das suas pessoas e soberbos de menos da grandeza e dignidade
da sua condição cristã.
O generalizado
complexo de inferioridade de muitos fiéis deve-se a carências da sua formação
doutrinal, à sua ignorância em relação à história da Igreja e à manipulação
laicista do passado cristão. De facto, não há nenhuma religião, ou Estado, que
não tenha bem piores antecedentes, mas a história moderna teima em só recordar
as culpas dos católicos, que acusa de alguns eventuais faltas que, diga-se de
passagem, são poucas e sempre as mesmas: as cruzadas, a Inquisição, Galileu e
pouco mais.
O mesmo, porém, já não acontece em relação à história
nacional, em que não faltam, como é natural, episódios lamentáveis. Recorde-se,
por exemplo, o horror do suplício dos Távoras, com requintes de crueldade
piores do que os praticados pelo Santo Oficio; a brutalidade anticlerical da
primeira República, que até sequestrou e aterrorizou os inocentes videntes de
Fátima, ainda crianças; ou, ainda, as terríveis torturas da PIDE, mais brutais
do que as penas a que foi condenado Galileu. Apesar desses percalços, não há
cidadão português que seja digno desse nome e que repudie a história pátria
que, como é natural, tem muitas luzes e algumas sombras.
É algo paradoxal que alguns cristãos se envergonhem da sua
fé, a que a cultura, a arte e a técnica tanto devem, mas não da modernidade,
que foi cúmplice das aventuras totalitárias do fascismo, do nazismo e do
comunismo. Há quem sinta desconforto em se afirmar católico, mas ninguém renega
o seu país, nem o seu tempo, embora não sejam isentos de algumas culpas.
Urge, portanto, promover, pela verdade na caridade, a
auto-estima dos cristãos, incitando-os ao santo orgulho da sua condição de
fiéis da Igreja. Não se trata de fomentar qualquer atitude de vanglória
individual, que seria obviamente anticristã e humanamente disparatada, mas uma
renovada consciência da grandeza histórica da realidade eclesial. Ser católico
quer dizer ser herdeiro, representante e protagonista, pela graça de Deus e sem
mérito próprio, da mais antiga, consistente e eficaz instituição cultural,
responsável pela mais extensa e qualificada rede de assistência humanitária.
Esta comunidade, no dizer inspirado do primeiro Papa, é «uma
geração escolhida, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido por
Deus» (1Pd 2,9). Sobretudo graças à plêiade imensa dos bem-aventurados, que a
Igreja celebra no dia 1 de Novembro, a solenidade de todos os Santos. São esses
inumeráveis mártires, confessores da fé, pastores, religiosos e leigos que
atestam, historicamente, a grandeza do dom que na Igreja resplandece. Esta
mesma assembleia, que é pecadora nos seus fiéis militantes, é santa nos seus
membros triunfantes, que são para a comunidade dos crentes, bem como para toda
a humanidade, motivo de um justo orgulho.
Alguém malevolamente disse, de outrem, que era muito humilde
… e que tinha muitas razões para o ser! Nós, católicos, não podemos deixar de
ser individualmente humildes, mas temos também de cultivar, em honra dos nossos
santos, um legítimo orgulho. Graças a eles, é firme a nossa esperança e
profunda a nossa alegria, sobretudo no 1º de Novembro, que bem poderia ser o
dia da soberba cristã.
Gonçalo Portocarrero de Almada
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
Criança brinca com Papa Francisco
Criança brinca com Papa Francisco durante celebração de missa no Vaticano
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