Não falta quem, com mais ou menos razão, deplore as
fraquezas dos cristãos. Sem dúvida, todos as temos, talvez não tantas nem tão
graves quanto as de outros, mas decerto mais e piores do que as que seriam de
esperar em verdadeiros discípulos de Cristo e membros da sua Igreja. São
deploráveis esses maus exemplos, sobretudo é de lamentar que haja cristãos
vaidosos de mais das suas pessoas e soberbos de menos da grandeza e dignidade
da sua condição cristã.
O generalizado
complexo de inferioridade de muitos fiéis deve-se a carências da sua formação
doutrinal, à sua ignorância em relação à história da Igreja e à manipulação
laicista do passado cristão. De facto, não há nenhuma religião, ou Estado, que
não tenha bem piores antecedentes, mas a história moderna teima em só recordar
as culpas dos católicos, que acusa de alguns eventuais faltas que, diga-se de
passagem, são poucas e sempre as mesmas: as cruzadas, a Inquisição, Galileu e
pouco mais.
O mesmo, porém, já não acontece em relação à história
nacional, em que não faltam, como é natural, episódios lamentáveis. Recorde-se,
por exemplo, o horror do suplício dos Távoras, com requintes de crueldade
piores do que os praticados pelo Santo Oficio; a brutalidade anticlerical da
primeira República, que até sequestrou e aterrorizou os inocentes videntes de
Fátima, ainda crianças; ou, ainda, as terríveis torturas da PIDE, mais brutais
do que as penas a que foi condenado Galileu. Apesar desses percalços, não há
cidadão português que seja digno desse nome e que repudie a história pátria
que, como é natural, tem muitas luzes e algumas sombras.
É algo paradoxal que alguns cristãos se envergonhem da sua
fé, a que a cultura, a arte e a técnica tanto devem, mas não da modernidade,
que foi cúmplice das aventuras totalitárias do fascismo, do nazismo e do
comunismo. Há quem sinta desconforto em se afirmar católico, mas ninguém renega
o seu país, nem o seu tempo, embora não sejam isentos de algumas culpas.
Urge, portanto, promover, pela verdade na caridade, a
auto-estima dos cristãos, incitando-os ao santo orgulho da sua condição de
fiéis da Igreja. Não se trata de fomentar qualquer atitude de vanglória
individual, que seria obviamente anticristã e humanamente disparatada, mas uma
renovada consciência da grandeza histórica da realidade eclesial. Ser católico
quer dizer ser herdeiro, representante e protagonista, pela graça de Deus e sem
mérito próprio, da mais antiga, consistente e eficaz instituição cultural,
responsável pela mais extensa e qualificada rede de assistência humanitária.
Esta comunidade, no dizer inspirado do primeiro Papa, é «uma
geração escolhida, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido por
Deus» (1Pd 2,9). Sobretudo graças à plêiade imensa dos bem-aventurados, que a
Igreja celebra no dia 1 de Novembro, a solenidade de todos os Santos. São esses
inumeráveis mártires, confessores da fé, pastores, religiosos e leigos que
atestam, historicamente, a grandeza do dom que na Igreja resplandece. Esta
mesma assembleia, que é pecadora nos seus fiéis militantes, é santa nos seus
membros triunfantes, que são para a comunidade dos crentes, bem como para toda
a humanidade, motivo de um justo orgulho.
Alguém malevolamente disse, de outrem, que era muito humilde
… e que tinha muitas razões para o ser! Nós, católicos, não podemos deixar de
ser individualmente humildes, mas temos também de cultivar, em honra dos nossos
santos, um legítimo orgulho. Graças a eles, é firme a nossa esperança e
profunda a nossa alegria, sobretudo no 1º de Novembro, que bem poderia ser o
dia da soberba cristã.
Gonçalo Portocarrero de Almada
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