A vida faz-me andar! Com os pés posso caminhar e estes, o que dizem de cada um? Podem ser bonitos, feios, assim-assim, porventura grandes, quiçá pequenos. De uma forma ou de outra fazem parte de nós. Curiosamente, em cada pé contam-se nada mais, nada menos, do que vinte e nove ossos, perfazendo cinquenta e oito na sua totalidade.
Os nossos pés acompanham e fazem parte da nossa narrativa pessoal. Há até, histórias curiosas relacionadas com estes membros. Por exemplo, o caso em que uma pessoa se apaixona por outra porque desajeitadamente lhe calcou o pé enquanto dançava, ou ainda, o ter caído mesmo aos pés de alguém, o ter tropeçado numa simples pedra. Há várias e diferentes sendo algumas, de facto, histórias engraçadas e bonitas.
Porventura,
não há bela sem senão. Também temos o outro lado da moeda. Ora, pelos pés, 42.000 pessoas morreram no Vietnam ao pisar minas e projéteis. Muitas outras ficaram feridas e sem membros. Igualmente lamentável e devido ao mesmo motivo, é o facto de muitos meninos e meninas inocentes, na África ocidental e Austral, não poderem andar, dependem de outros. Além de 5500 crianças morrerem diariamente desnutridos, enfraquecidos pelas enfermidades e doenças. Em relação a esta questão, o que realmente deve pesar, é que estas mortes e acidentes poderiam ter sido, todos evitados.
Independentemente do tempo e lugar, cada pessoa tem a sua história e seja ela qual for, é igualmente digna de respeito e dignidade. Assim, a existência de cada pessoa, que é única e irrepetível, tem os seus trilhos e contrastes pelos quais, cada um vai pelos seus próprios pés. O que podemos fazer para não nos perdermos, nesta caminhada que é a nossa vida? Não nos devemos nunca esquecer do essencial:
Deus é o que me cinge de força e aperfeiçoa o meu caminho. (Salmo 18, 32).
É de notar que, o que de facto importa não é tanto para onde nos levam os nossos pés ou para onde cada um aponta a sua direção. É sim, o sentido que damos a essa caminhada. Daí o sentido da frase:
Como são belos os pés dos que anunciam boas novas! (Romanos 10, 15).
Assim sendo, será que já nos questionamos sobre a as crenças que nos levam a caminhar em determinado sentido? Serão estas seguras e construtivas ou então, serão algo que me deixará sem sentido num caso de crise ou desolação? Deste modo, saber porquê e, no dizer de Vasco Pinto Magalhães,
para quê acreditamos num certo ideal, não só dá sentido à caminhada como também nos consola em momentos de maior desolação, como ainda, confirma a alegria quando nos sentimos alegres, em paz e serenidade. Mas, acima de tudo, e em todas as circunstâncias, dá-nos a segurança e a alegria interior de estarmos a caminhar em direção à luz, sem as sombras da caverna de quais fala Platão, mas sim fora dela e, por isso, conhecendo o que verdadeiramente nos constrói.
Assim, que saibamos indicar aos nossos pés o caminho que devem trilhar para que não sofram as consequências de caminhos ilusórios sem fim à vista ou de caminhos fáceis e curtos e, por isso, não têm a profundidade que eles merecem. Outra verdade, é que não se caminha sozinho por isso, será necessário o repouso e a partilha, como o diz o verdadeiro mestre:
Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. (João 13, 14), seja esse lava-pés uma simples palavra, um escutar um desabafo ou até o levantar de uma pequena ou grande queda. Seja o que for, tudo se constrói, tudo está em constante dinamismo portanto, a caminhada é um “sempre a fazer”, envolve escolhas constantes, as quais podem ter como pano de fundo um ideal que lhes dê sentido. Assim, aproveitando as palavras de António Machado, façamos o caminho:
Caminhante, não há caminho,
Faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
E ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
Somente sulcos no mar.
Deolinda Silva e Carlos Rodrigues, in o Pátio dos gentios.