Diz-se que o nosso corpo tem a forma de um abraço. Talvez por isso a tarefa de abraçar seja tão simples, mesmo quando temos de percorrer um longo caminho. O abraço tem uma incrível força expressiva. Comunica a disponibilidade de entrar em relação com os outros, superando o dualismo, fazendo cair armaduras e motivos, cedendo, nem que seja por instantes, na defesa do espaço individual. Há uma tipologia vastíssima de abraços, e cada uma delas ensina alguma coisa sobre aquilo que um abraço pode ser: acolhimento e despedida, congratulação e luto, reconciliação e embalo, afeto ou paixão. Os abraços são a arquitetura íntima da vida, o seu desenho invisível, mas absolutamente presente; são plenitude consentida ao desejo e memória que revitaliza. Todos nos reconhecemos aí: em abraços quotidianos e extraordinários, abraços dramáticos ou transparentes, abraços alagados de lágrimas ou em puro júbilo, abraços de próximos ou de distantes, abraços fraternos ou enamorados, abraços repetidos ou, porventura, naquele único e idealizado abraço que nunca chegou a acontecer mas a que voltamos interiormente vezes sem conta.
No princípio era o abraço, se pensarmos no colo que nos nutriu na primeira infância. Essa foi, para a maioria de nós, a primeira e reconfortante forma de comunicação. Mas a necessidade de um abraço acompanha a nossa existência até ao fim. O abraço é uma longa conversa que acontece sem palavras. Tudo o que tem de ser dito soletra-se no silêncio, e ocorre isto que é tão precioso e afinal tão raro: sem defesas, um coração coloca-se à escuta de outro coração.
José Tolentino Mendonça