Devemos a verdade uns aos outros. São muitos os erros que cometemos na avaliação que fazemos de nós mesmos. Só quando submeto o que sou ao olhar do outro é que esses erros se podem evitar. Há quem tome a sinceridade como um sinal de baixeza de espírito ou mesmo imbecilidade. A sinceridade não é uma fraqueza, mas sim uma das mais audazes atitudes continuadas da vontade.
A verdade é simples e a sinceridade é um dom divino. Se não posso ver-me a partir de dentro sem a ajuda de quem me vê a partir de fora, esse é o momento em que passamos de retrato a pintor, de poema a poeta, de estátua a escultor. Deixamos os erros que nos prendiam e tornamo-nos na obra de nós mesmos.
Há quem finja sinceridade e magoe com maldade, quem aproveite para castigar os que abrem o seu coração com fé a palavras que julgam justas. São frustrados, tentam vingar-se de si mesmos nos outros. Não são francos, mas fracos.
Há muitos narcisos no mundo. Escolhem não ter amigos que lhes digam a verdade, admiram-se com uma loucura patética. Decidem ser apenas retrato, não se recriam nem renascem. Retrato que olha para si mesmo. Aparências sem verdade. Mas se há narcisos que o são sempre, a verdade é que a maior parte de nós o é muitas vezes...
Quantas vezes preferimos os olhares e as palavras dos aduladores? Quantas vezes escolhemos o doce veneno das falsas admirações? Quantas vezes recusamos admitir que somos mais disformes do que parecemos acreditar? Será que temos consciência de que é a nossa vaidade que nos torna manipuláveis?
O orgulho é a raiz de todos os vícios. Privar alguém da verdade é condená-lo à desgraça do inferno, que é a prisão ao que é exterior. Saibamos nós abrir o coração e mostrar-nos, aceitando e agradecendo a quem tem a lucidez, a coragem e a bondade de nos olhar e ajudar a ver o que estamos a ser, naquilo em que podemos ser melhores...
A verdade pode ser traída, mas não pode ser morta ou calada, porque, no final, se não for de outra forma, até as pedras a hão de gritar.
26 de março de 2016
Ilustração de Carlos Ribeiro
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