quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

E se desaparecermos?





Uma vez enfrentada a pergunta, já de si difícil de formular em alta voz, e depois de refletir sobre ela com mais pessoas, o que vou escrever nada tem de teórico, e partilho-o por poder ser uma ajuda a quem está em situações semelhantes ou ainda mais graves.

Serve-me de ponto de partida uma cena bíblica: o rei Ezequias caiu doente; o profeta Isaías foi visitá-lo e disse-lhe, com toda a delicadeza pastoral: «Faz o testamento porque vai morrer». Então Ezequias voltou o rosto para a parede e começou a rezar e a chorar (Isaías 38, 1-8).

A posição do rosto contra a parede é eloquente e pode ser sinal de diferentes atitudes: a) negação do que se está a passar, causada pelo medo de enfrentar a situação; b) lançamento de uma estratégia atabalhoada de procura de vocações; c) importação de jovens do Sul para que cuidem de nós e sustentem as nossas instituições; d) falta de interesse e distanciamento dos assuntos da congregação com um amargo «salve-se quem puder».

Qual seria a reação sensata? Olhemo-nos ao espelho e perguntemo-nos se connosco acontece algo parecido. E, uma vez contemplada a situação com lucidez e sensatez, preparemo-nos para a visita da D. Nostalgia, D. Perdida e D. Desconsolo, que chegarão com a sua banda sonora de lamentos, ais e lágrimas. Deixemos passá-las, saudando-as educadamente e permitindo que se expressem com liberdade, mas não deixemos que prolonguem demasiadamente a visita.

Atenção, todavia, ao abrir a porta ao senhor Que-fizemos-mal e à D. Culpabilidade, casal altamente tóxico e muito perturbador, que não traz nada de novo e resiste a ir embora.

Concluído este confronto que cura, removam-se as etiquetas de drama ou de catástrofe: observem-se simplesmente os factos como uma consequência da contingência e finitude que nos são próprias, tanto no plano pessoal como institucional: só a Igreja tem a promessa de estabilidade. Por isso, se após determinado tempo uma das suas instituições deixa de existir, não é sinal de colapso dos alicerces do universo. Já foi um dom que durante vários anos um grupo de homens ou mulheres tenham vivido animados o seu carisma, trabalhando pelo Reino de Deus e servindo os outros o melhor que puderam.

O que se impõe é ser-se sóbrio para cuidar e gerir criativamente o presente, e sábio para enfrentar o futuro com ânimo, conjugando o prever e o confiar, o ser realista e sonhador, em versão adaptada das serpentes e pombas.

Mas a esta atitude só chegaremos se nos decidirmos "subir de nível", como fez Ezequias ao começar a rezar, e o que fez também a primeira comunidade cristã, quando, desvalida após a ascensão de Jesus, esperou na «sala de cima» (Atos 1, 13) pela chegada do Espírito Santo. É ele que torna possível que pensemos como Deus, e não de maneira humana (cf. Marcos 8, 33), fortalecendo em nós convicções a que nunca chegaríamos sozinhos: que não são mais evangélicos os tempos de crescer que os de diminuir; que os tempos de poda são difíceis mas podem ser fecundos; que nada do que se entregou se perde; que nem o prestígio nem o número são verdadeiros amigos, ao passo que o são a pobreza e a pequenez.

Estamos em boas mãos e podemos continuar a amar e a servir sem prazos nem cálculos, e isso nos basta para viver com alegria e agradecimento.

No final da narrativa bíblica, Isaías, por ordem do Senhor, voltou a visitar Ezequias, aplicou-lhe um emplastro de figos, e este curou-se e continuou a viver. As nossas histórias, quando Deus está por dentro delas, podem dar reviravoltas surpreendentes.



Dolores Aleixandre, RSCJ
In "Periodista Digital"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 14.01.2015

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