Desde que sei
Que sou como um fiozinho de erva
Que de manhã reverdece e à tarde seca,
Que aprendi a suportar o peso
Do milagre.
Hoje tudo é mais claro
Tudo é mais nítido.
Mas no tempo em que os pinheiros
Eram altos
E os meus olhos de um verde cristalino,
No tempo em que o tempo
Era incandescente
E fazia carrancas ao destino,
Aí, oh meu país inocente
E pequenino,
Era eu que era mais divino
Ou era Deus que era mais menino?
Que sou como um fiozinho de erva
Que de manhã reverdece e à tarde seca,
Que aprendi a suportar o peso
Do milagre.
Hoje tudo é mais claro
Tudo é mais nítido.
Mas no tempo em que os pinheiros
Eram altos
E os meus olhos de um verde cristalino,
No tempo em que o tempo
Era incandescente
E fazia carrancas ao destino,
Aí, oh meu país inocente
E pequenino,
Era eu que era mais divino
Ou era Deus que era mais menino?
1. Sim. Enquanto tu descias a este chão de pó, e afanosamente o modelavas (Génesis 2,7), eu subia em sonhos a escada de Jacob (Génesis 28,12), e às escondidas, comia o teu céu de pão-de-ló. Deslumbramento teu no sótão deste chão, quando, no lusco-fusco da vidraça, descobriste o meu pião enrolado na baraça. Deslumbramento meu, quando, distraído, brincava no teu céu, e quase escorregava pelo firmamento.
2. Valeu-me então um anjo que estava de passagem, e me deu a mão. Percebi depois que regressava do jardim do éden (Génesis 2,8), de regar a tua plantação (Isaías 61,3). Contou-me tudo. Falou-me de Abraão, de um rio que abriste no deserto (Isaías 43,19), da avenida florida que atravessa o mar a céu aberto (Sabedoria 19,7), da estrada traçada no deserto onde habitualmente andas a pé (Isaías 35,8), e sobretudo das flores que fizeste florescer em Nazaré (de natsar, florescer).
3. Fomos depois os dois até Jerusalém, e vimos-te a escolher no ribeiro manso as pedras trabalhadas na torrente (1 Samuel 17,40). Olhavas para elas demoradamente em tuas mãos deitadas, e só depois as adornavas com tinta cor de rímel (Isaías 54,11), e as sentavas carinhosamente à tua mesa, em tua casa, onde ardia e não se consumia uma sarça acesa (Êxodo 3,2).
4. Juntaram-se, entretanto, a nós milhares de anjos deslumbrados. Pus-me todo atento e parabólico, e pude ver o vento que o seu bater de asas produzia, e vi ainda que é essa energia que alumia as casas, muito mais do que qualquer rede de alta tensão ou parque eólico. Foi então que o anjo que comigo viajava me indicou um caminho hiperbólico (1 Coríntios 12,31).
5. Entrei nesse caminho. Mas rapidamente vi que não ia sozinho. Ias tu, Senhor, comigo. Chamava-se amor esse caminho aberto no deserto (Atos 8,26). Confesso que nunca tinha estado tão perto da água viva e tão perdido no meio do sentido (Atos 8,36). Tão refém deste Deus nascido em Belém.
Mesa de palavras: NÓS OS DOIS
D. António Couto, Bispo de Lamego (25-12-2014)
D. António Couto, Bispo de Lamego (25-12-2014)
[Imagem: Tela: Natività (1650), de Carlo Maratta Igreja São José dos Marceneiros, Roma]
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