Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das coisas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso dos meus anos;
Dei causa a que a fortuna castigasse
As minhas mais fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Luís Vaz de Camões
Peço perdão aos puristas da língua, a Camões e a Zaqueu por esta aleivosia teológico-literária de forçar este texto do vate lusitano ao ponto de o converter em oração.
O facto é que gosto do Zaqueu. Gosto mesmo!
Gosto de o imaginar pequenito e sem complexos; a correr, a empurrar meio mundo, a acotovelar os basbaques da multidão amorfa, a saltitar de quando em vez procurando descortinar um ponto alto à procura de ver, acima de tudo, a si próprio.
E lá está ele, o sicómoro do seu contentamento, o lugar onde pode finalmente subir sem pisar ninguém; o ponto alto a partir do qual pode descortinar o que procura, onde se pode encontrar consigo mesmo, para depois encontrar os outros no caminho do seu encontro com Deus.
Está vencida a perdição provocada pelos erros seus, pela má fortuna e pelo amor ardente; um amor do qual não vira até então senão breves enganos. Quem é capaz de passar ao lado desta figura sem se identificar com ela? Certamente nenhum de nós… Também nós temos sempre presente, “tudo o que passámos”, também nós sentimos “as grandes dores das coisas que passaram”, tudo aquilo “que as magoadas iras nos ensinaram” e, às vezes, corremos até o risco “de não querer nunca ser contentes”…
Ah! Grande Zaqueu que foste capaz de ir à procura de ti próprio, grande ao ponto de, na tua pequenez, te reconheceres um biltre, mas capaz de ser amado por Deus; que subiste acima da tua altura, sem te pores em bicos de pés por cima de ninguém, mas à custa do teu esforço foste capaz de te ver. E encontraste… soubeste descobrir o processo essencial da conversão de cada um de nós, da conversão da Igreja e da conversão do mundo. Um processo que só tocará Deus se e quando tocar os outros: “Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais” Está tudo dito. A conversão aconteceu…
Grande Zaqueu! Venceste a besta do teu pequeno “apocalipse” e descobriste a “revelação” do Deus que passa. Pequeno e diminuto, foste e és sinal maior da urgência de cada um de nós subir ao ponto mais alto do encontro consigo próprio, para em seguida poder descer em segurança e acolher o Deus que habita na realidade do tempo que é nosso, para vencer a tal “religião sem fé”, a “religião que mata a fé”, a “religião sem mundo” que abriu a porta a “um mundo sem religião”.
Obrigado Zaqueu!
Fr. Fernando Ventura, ofm cap
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