Não procures granjear a
amizade de alguém por meio da adulação, nem permitas que outros por meio dela granjeiem
a tua. Não sejas ousado nem arrogante; submete-te e não te imponhas; conserva a
serenidade e aceita de boa mente as advertências e com paciência as
repreensões. Se alguém te repreender com razão, reconhece que é para teu bem;
se o faz sem motivo, admite que é com boa intenção. Não temas as palavras
ásperas, mas sim as brandas. Emenda-te dos teus defeitos e não sejas curioso
indagador ou severo censor dos alheios; corrige os outros sem incriminação,
prepara a advertência com mostras de sincera simpatia, e ao erro dá facilmente
desculpa.
Não exaltes nem humilhes
pessoa alguma. Sê discreto a respeito do
que ouves dizer e acolhedor benévolo dos que te querem ouvir. Responde
prontamente a quem te pergunta e cede facilmente a quem porfia, para que não venhas
a cair em contendas e imprecações.
Se és moderado e senhor
de ti mesmo, vigia sobre as moções do teu ânimo e os impulsos do teu corpo,
evitando todas as inconveniências; não os ignores pelo facto de serem ocultos;
pois não importa que ninguém os veja, se tu de facto os vês.
Sê flexível, mas não
leviano; constante, mas não teimoso. A tua ciência não seja ignorada nem
molesta. Considera a todos iguais a ti; não desprezes os inferiores com
altivez, e não temas os superiores, se vives rectamente. Em matéria de
obséquios e saudações não te dispenses nem os exijas. Para todos deves ser
afável; para ninguém, adulador; com poucos, familiar; para todos, justo.
Sê mais severo no
discernimento do que nas palavras e mais nobre na vida do que na aparência.
Afeiçoa-te à clemência e detesta a crueldade. Quanto à boa fama, não apregoes a
tua nem invejes a alheia. Sobre rumores, crimes e suspeitas não sejas crédulo
nem inclinado a pensar mal, mas opõe-te decididamente àqueles que com aparente
simplicidade maquinam a difamação alheia.
Sê tardo para a ira e
fácil para a misericórdia; firme nas adversidades, prudente e moderado nas
prosperidades; ocultador das próprias virtudes, como outros os são dos vícios.
Evita a vanglória e não busques o reconhecimento das tuas qualidades.
A ninguém desprezes por
ignorante. Fala pouco, mas tolera pacientemente os faladores. Sê sério mas não
desumano, e não menosprezes as pessoas alegres.
Sê desejoso da sabedoria
e dócil. Sem presunção, ensina o que sabes a quem to pedir; e sem disfarçar a
ignorância, pede que te ensinem o que não sabes.
S. Martinho de Dume, bispo
Opúsculo “Fórmula de vida honesta”,
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