O grande Karl Rahner, numa das suas últimas cartas, escreveu a um jovem alemão toxicodependente que lhe tinha pedido ajuda. O jovem toxicodependente tinha dito: "Vocês, teólogos, falam sobre Deus, mas como é que este Deus pode ser relevante na minha vida? Como é que este Deus poderia livrar-me das drogas?" Rahner disse-lhe: "Tenho de confessar-te muito honestamente que, para mim, Deus é e sempre foi, um mistério absoluto. Não compreendo o que é Deus; ninguém consegue compreender. Temos insinuações, alusões. Fazemos hesitações, tentativas inadequadas de pôr o mistério em palavras. Mas não há palavra para isso, não há frase para isso." E, ao falar para um grupo de teólogos em Londres, Rahner disse: "A tarefa do teólogo é explicar tudo através de Deus, e explicar Deus como inexplicável." O mistério inexplicável. O que não sabemos, não podemos dizer. Dizemos: "Ah, ah..."
As palavras são indicadores, não são descrições. Tragicamente, as pessoas caem na idolatria porque pensam que, no que concerne a Deus, a palavra é a coisa. Como é que podes ser tão louco? Consegues ser mais louco do que isto? Mesmo no que diz respeito aos seres humanos, ou às árvores e às folhas, e aos animais, a palavra não é a coisa. E tu dirias que, no que diz respeito a Deus, a palavra é uma coisa? O que é que estás a dizer? Um estudioso das escrituras famoso internacionalmente esteve presente neste curso em São Francisco e disse-me: "Meu Deus, depois de ouvi-lo percebi que tenho sido um adorador de ídolos toda a minha vida!" Ele disse isto abertamente. "Nunca me tinha apercebido de que tinha sido um adorador de ídolos. O meu ídolo não era feito de madeira nem de metal; era um ídolo mental." Estes são os adoradores de ídolos mais perigosos. Utilizam uma substância muito subtil, a mente, para fabricar o seu Deus.
Estou a conduzir-te para o seguinte: consciência da realidade à tua volta. Consciencialização significa olhar, observar o que acontece dentro de ti e à tua volta. "Continuar" é bastante exato: árvores, relva, flores, rock, toda a realidade está a mover-se. Observamo-la, olhamo-la. E como é essencial para o ser humano não só observar-se a si, mas olhar para toda a realidade. Os teus conceitos aprisionam-te? Queres libertar-te dessa prisão? Então olha; observa; passa horas a observar. A ver o quê? Nada. Os rostos das pessoas, as formas das árvores, um pássaro a voar, uma pilha de pedras, ver a relva crescer. Entrar em contacto com as coisas, olhar para elas. Com sorte conseguirás quebrar estes padrões rígidos que todos desenvolvemos, a partir dos quais os nossos pensamentos e as nossas palavras nos foram impostos. Com sorte veremos. Veremos o quê? Esta coisa que escolhemos chamar de realidade, seja o que estiver para além de palavras e conceitos. Este é um exercício espiritual — ligado à espiritualidade — ligado ao facto de saíres da tua cela, de saíres do aprisionamento de conceitos e palavras.
Que triste se passarmos pela vida e nunca a virmos com os olhos de uma criança. Isto não significa que devas abandonar totalmente os teus conceitos; eles são muito preciosos. Apesar de começarmos sem eles, os conceitos têm uma função muito positiva. Graças a eles desenvolvemos a nossa inteligência. Somos convidados, não para nos tornarmos crianças, mas para nos tornarmos como crianças. Temos de cair de um estado de inocência e sermos atirados para fora do paraíso. Temos de desenvolver um "Eu" e um "Mim" através destes conceitos. Mas depois precisamos de voltar ao paraíso. Precisamos de ser resgatados outra vez. Temos de deixar o homem velho, a velha natureza, o eu condicionado, e regressar ao estado de criança mas semsermos criança. Quando começamos na vida olhamos para a realidade com espanto, mas não é o espanto inteligente dos místicos. É o espanto sem forma da criança. Então o espanto morre e é substituído por tédio, à medida que desenvolvemos a linguagem, as palavras e os conceitos. Então, esperançosamente, se tivermos sorte, voltaremos a espantar-nos.
Antony de Mello, in Awareness