terça-feira, 22 de abril de 2014

Oração pascal sobre o amor



Há o amor que faz com que as pessoas que se amam estejam sempre juntas.
e há o amor que faz com que as pessoas que se amam, mesmo longe, nunca se separem.

Há o amor que nem sempre está presente nas alegrias de quem é amado,
e há o amor que nunca está ausente na dor de quem sofre.

Há o amor que é mais forte do que a morte,
e há o amor que leva quem ama até a morte.

Há o amor que não aceita meias medidas,
e há o amor que é sem medida

Há o amor que não se vende,
e há o amor que não se rende.

Há o amor que não se cansa
e há o amor que nunca descansa.

Há o amor de quem sofre com quem sofre,
há o amor de quem sofre para que ninguém sofra.

Há o amor que suporta a tudo,
e há o amor que suporta a todos.

Há o amor que abraça os amigos,
e há o amor que recebe os inimigos.

Há o amor que faz tudo o que Deus pede,
e há o amor que faz tudo o que Deus merece.

Se todo e qualquer amor é admirável,
existe uma forma que é mais admirável do que todas as demais formas de amar.

E qual seria esta forma?
É quando a um supremo amor se junta uma suprema dor!

Se Cristo só pensasse em si e não pensasse em nós,
que seria de nós?

Se Cristo só pensasse em se salvar,
que esperanças teríamos?

Se Cristo pensasse em abandonar a cruz por amor de sua Mãe,
que amor restaria para nós?

Se Cristo abandonasse o amor pelo tamanho de sua dor,
que amor restaria então para as nossas dores?

Senhor,
bendito sejas por me lembrares
todas essas coisas sobre o amor!

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Conto de Pácoa



O meu amigo fora claro: o seu prédio ficava entre a igreja e a livraria. Cedinho nessa manhã de Páscoa ali estava eu totalmente perdido, apesar das indicações. Ele dissera que não havia nada que enganar, porque a grande cruz no cimo da torre se via à distância. Além disso eu visitara-o há uns anos e esperava reconhecer o local. Apesar disto, não fazia a menor ideia onde me devia dirigir. Estava totalmente perdido.

A razão da desorientação era fácil de explicar. As referências eram evidentes e o sítio não tinha nada que enganar. Só que naquela vila, neste estranho mês de Abril, a Páscoa amanhecera sob uma espessa capa de nevoeiro. À minha frente poderia estar uma igreja, um descampado ou um exército pronto a atacar. Naquela esquina eu mal via a rua, quanto mais a torre, a cruz ou a livraria. Pouco enxergava para lá do meu nariz. Nessas condições, por mais claras que fossem as indicações, não havia maneira de saber onde me dirigir. Em pleno dia só via a brancura vaga e cega do que os ingleses chamam "sopa de ervilhas".

Percebi que o nevoeiro é uma das coisas mais terríveis. A escuridão é rompida por uma luz mínima. Se fosse noite não teria dificuldade em encontrar a igreja, a livraria, o prédio. Bastava um candeeiro para me orientar. Mas no nevoeiro não há luz que me guie. A escuridão, por mais negra que seja, não resiste ao nascer do Sol, que não apenas a rompe, como um fósforo, mas a despedaça e elimina. Mas o sol nada pode com o nevoeiro. Eu sei que o sol está lá em cima. É ele que me permiter ver-me a mim mesmo e ao nevoeiro. Mas o sol fica impotente perante o nevoeiro. Sei que o sol, eventualmente, vencerá o nevoeiro. Daqui a horas, como sempre em Abril, a névoa evapora e o dia será claro e quente. Mas agora não se vê dois metros adiante.

Existe um paralelo na vida espiritual. Vaidade, raiva, cobiça, sensualidade criam terrível escuridão na vida humana, e eliminam a bondade, alegria, paz. Mas no meio da pior escuridão qualquer pequena luz anula as trevas. Um momento bastou para despedaçar a vaidade de Nicodemos, a raiva do bom ladrão, a cobiça de Zaqueu, a sensualidade da adúltera. Mas há algo muito pior que a escuridão do pecado. Existe o nevoeiro da presunção, obstinação, inveja, desespero. Contra eles a luz nada pode. Jesus esteve diante da presunção de Caifás, da obstinação de Herodes, da inveja de Judas, do desespero do mau ladrão, mas eles não viram a luz: "Todo o pecado ou blasfémia será perdoado aos homens, mas a blasfémia contra o Espírito não lhes será perdoada. Se alguém disser alguma palavra contra o Filho do Homem, há-de ser-lhe perdoado; mas, se falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo nem no futuro" (Mt 12, 31-32).

O nevoeiro é o que mais devo temer. Vivo à sombra da cruz, e toda a minha felicidade dela depende. Sou feliz porque sei que o Senhor do universo, que fez o Céu e a Terra, veio a este mundo por minha causa, e se ofereceu à morte mais horrível para pagar os meus pecados. E depois ficou: ficou na Palavra, no sacrário, quando dois ou três nos reunimos. O Senhor do universo mostra um carinho próximo e pessoal por mim, enviando o seu anjo, que me acompanha e guarda em cada passo. Apesar de saber isso, estou muitas vezes perdido, assustado, desorientado, por causa do nevoeiro. O nevoeiro que me esconde a cruz da igreja.

Aquela cruz, que deveria ser o sinal do meu destino, é oculta pelo nevoeiro do meu desespero. O nevoeiro, que me desorienta e até me faz perder a confiança no meu anjo da guarda, é mais forte que a minha fé. O mais forte é o nevoeiro. Que pode ser mais forte que o nevoeiro?

Então ouvi uma voz. Era o meu amigo que me chamava. Imaginou que o nevoeiro me tivesse desorientado e decidiu vir à rua ao meu encontro. Então percebi. O meu anjo tinha-o enviado. E agora sei que há algo mais forte que o nevoeiro: a amizade. A amizade que faz presente a cruz e o anjo da guarda. "Quem vos recebe, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou" (Jo 10, 40).

João César das Neves
DN 2014.04.21

domingo, 20 de abril de 2014

Agradecer o que não nos dão



O mais comum é agradecer o que nos foi dado. E não nos faltam motivos de gratidão. Há, é claro, imensas coisas que dependem do nosso esforço e engenho, coisas que fomos capazes de conquistar ao longo do tempo, contrariando mesmo o que seria previsível, ou que nos surgiram ao fim de um laborioso e solitário processo. Mas isso em nada apaga o essencial: as nossas vidas são um recetáculo do dom.

Por pura dádiva recebemos o bem mais precioso, a própria existência, e do mesmo modo gratuito fizemos e fazemos a experiência de que somos protegidos, cuidados, acolhidos e amados. Se tivéssemos de fazer a listagem daquilo que recebemos dos outros (e é pena que esse exercício não nos seja mais habitual), perceberíamos o que a poetisa Adília Lopes repete como sendo a sua verdade: «sou uma obra dos outros». Todos somos.

A nossa história começou antes de nós e persistirá depois. Somos o resultado de uma cadeia inumerável de encontros, de gestos, boas vontades, sementeiras, afagos, afetos. Colhemos inspiração e sentido de vidas que não são nossas, mas que se inclinam pacientemente para nós, iluminando-nos, fundando-nos na confiança. Esse movimento, sabemo-lo bem, não tem preço, nem se compra em parte alguma: só se efetiva através do dom.

Por isso é que quando ele falta a sua ausência indelével faz-se sentir a vida inteira. O seu lugar não consegue ser preenchido, mesmo se abunda uma poderosa indústria de ficções de todo o tipo com a inútil pretensão de ser oblívio e substituição para essa espécie de fala geológica que nos morde.

Hoje, porém, dei comigo a pensar também na importância do que não nos foi dado. E a provocação chegou-me por uma amiga que confidenciou: «Gosto de agradecer a Deus tudo o que Ele me dá, e é sempre tanto que nem tenho palavras para descrever. Sinto, contudo, que lhe tenho de agradecer igualmente o que Ele não me dá, as coisas que seriam boas e que eu não tive, o que até pedi e desejei muito, mas não encontrei. O facto de não me ter sido dado obrigou-me a descobrir forças que não sabia que tinha e, de certa maneira, permitiu-se ser eu».

Isto é tão verdadeiro. Mas exige uma transformação radical da nossa atitude interior. Tornar-se adulto por dentro não é propriamente um parto imediato ou indolor. No entanto, enquanto não agradecermos a Deus, à vida ou aos outros o que não nos deram, parece que a nossa prece permanece incompleta. Podemos facilmente continuar pela vida dentro a nutrir o ressentimento pelo que não nos foi dado, a compararmo-nos e a considerarmo-nos injustiçados, a prantear a dureza daquilo que em cada estação não corresponde ao que idealizamos.

Ou podemos olhar o que não nos foi dado como a oportunidade, ainda que misteriosa, ainda que ao inverso, para entabular um caminho de aprofundamento... e de ressurreição. Foi assim que numa das horas mais sombrias do século XX; desde o interior de um campo de concentração, a escritora Etty Hillesum conseguiu, por exemplo, protagonizar uma das mais admiráveis aventuras espirituais da contemporaneidade. No seu diário deixou escrito:

«A grandeza do ser humano, a sua verdadeira riqueza, não está naquilo que se vê, mas naquilo que traz no coração. A grandeza do homem não lhe advém do lugar que ocupa na sociedade, nem no papel que nela desempenha, nem do seu êxito social. Tudo isso pode ser-lhe tirado de um dia para o outro. Tudo isso pode desaparecer num nada de tempo. A grandeza do homem está naquilo que lhe resta precisamente quando tudo o que lhe dava algum brilho exterior, se apaga. E que lhe resta? Os seus recursos interiores e nada mais.»


José Tolentino Mendonça
In Expresso, 18.4.2014

sábado, 19 de abril de 2014

Em cada conta do Teu rosário, uma história de amor


Em cada conta do Teu rosário, uma história de amor. O amor de um Pai de infinita bondade e misericórdia que, em Teu seio, nos deu o Seu único Filho. O amor de um Filho que, na Cruz, se entregou à morte para nos dar a vida. O amor de uma Mãe que, em silêncio e sem queixume, suportou  o sofrimento do Seu Filho e a ingratidão dos homens, que estando na presença da Luz, preferiram as trevas, porque nunca duvidou que havia de cumprir-se o que lhe fora dito. 

Como Tu, exulto de alegria por este dia que passou e pelas graças que me concedeste. Obrigada por te lembrares de mim, na minha pequenez, e por guiares os meus passos. Obrigada por Te deteres no caminho quando a fragilidade da minha fé não me permite avançar e preciso que Tu a sustentes. 

Como Tu, quero saber dizer o meu "sim" a cada amanhecer. Ensina-me a desprender-me de mim e a acolher o Teu Filho em meu coração para que seja feita a Sua vontade e não a minha na certeza que vazia de mim, estarei cheia de Deus. 

Permite-me, como a Paulo, ser alegre na esperança e paciente na tribulação. Que a Tua luz radiante seja o meu farol na noite escuraQue a Tua doçura seja o abrigo do meu cansaço. Que a Tua certeza seja a âncora que me prende ao cais no mar das minhas inquietações. Que a cada encontro saiba conhecer-Te melhor, amar-Te mais e reconhecer as maravilhas que fazes em mim para deixar de ser crente e passar a ser, como Tu, uma mulher de fé!

Raquel Dias

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Preces de Sexta-feira Santa



I

Por este mundo que sofre
à espera da libertação
por esta terra angustiada
em tempos que não são de paz
pelas vítimas da guerra e da discriminação racial
por aqueles que inesperadamente são vítimas
das calamidades naturais ou da maldade humana
por todos os que morrem nas estradas
e os que, de uma maneira ou de outra,
se acham em perigo.

Tu que queres a felicidade
e não a desgraça daqueles que amas
ordena a violência que em nós transborda
converte o ódio dos nossos corações
em tolerância e em respeito pela diferença
nós to pedimos
por Jesus Cristo, o único inocente
e pelo Espírito, o advogado da nossa fraqueza.


II

Por aqueles que vivem
sob o jugo da pobreza e da privação
por aqueles que desesperam
por não encontrarem saída às suas vidas
por todos os mutilados no corpo ou no espírito
e pelos que, doentes durante anos,
veem o seu corpo destruir-se.

Por todos os que morrem sós mortos de medo
sem encontrar na lama das palavras
um sopro de Páscoa
ou a esperança da vida após a morte
ensina-nos a arte de bem viver
a nós que acreditamos mais na morte que na vida
tu que és o Deus dos vivos
e ressuscitaste o teu Filho dos infernos
não nos retires a luz que faz viver nem o calor dos afetos
em que reconhecemos a tua presença
isto te pedimos pelo amor de Jesus Cristo
e pelo amor que o Espírito derramou no nosso coração.


III

Por aqueles que perderam a fé nos homens e no amor
e pelos que perderam também a fé em Deus
por todos os que buscam a verdade
nas diversas formas de religião
por todos os casais separados
por todos os padres caídos
por todos os religiosos esmagados
pelo peso dos votos ou das regras.

Subam a ti as orações
de todos os filhos dos homens atribulados
de todos os que apelam para a tua misericórdia
tu que és a consolação dos aflitos
e a força dos torturados
e reconheceremos na alegria
que tu os socorrestes.


IV

Por esta cidade em que vivemos e trabalhamos
pelo povo cristão a caminho da Promessa
através das vicissitudes das formas
em que se mura e endurece
oremos por todos os que nos representam
e bem e mal nos servem
oremos por todos os que não têm casa nem abrigo
pelos que se sentem traídos
e por aqueles a quem o desânimo desfigura.

Tu deste-nos uma terra, uma cidade para construir
gente com a qual viver e resistir
abre-nos os olhos ao invisível que nos transporta
torna-nos discípulos para ajudar e consolar
e para que um pouco do teu amor
transpareça no mundo que criaste
nós te pedimos por Jesus Cristo, o Salvador
e pelo Espírito que desde a fundação do mundo nos assiste.

Fr. José Augusto Mourão, OP

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Olhar o "olhar" de Jesus



"Estando Jesus à mesa com os discípulos, sentiu-Se intimamente perturbado e declarou: «Em verdade, em verdade vos digo: Um de vós Me entregará». Os discípulos olhavam uns para os outros, sem saberem de quem falava. Um dos discípulos, o predilecto de Jesus, estava à mesa, mesmo a seu lado. Simão Pedro fez-lhe sinal e disse: «Pergunta-Lhe a quem Se refere». Ele inclinou-Se sobre o peito de Jesus e perguntou Lhe: «Quem é, Senhor?» Jesus respondeu: «É aquele a quem vou dar este bocado de pão molhado». E, molhando o pão, deu-o a Judas Iscariotes, filho de Simão. Naquele momento, depois de engolir o pão, Satanás entrou nele. Disse- lhe Jesus: «O que tens a fazer, fá-lo depressa». Mas nenhum dos que estavam à mesa compreendeu porque lhe disse tal coisa. Como Judas era quem tinha a bolsa comum, alguns pensavam que Jesus lhe tinha dito: «Vai comprar o que precisamos para a festa»; ou então, que desse alguma esmola aos pobres. Judas recebeu o bocado de pão e saiu imediatamente. Era noite. Depois de ele sair, Jesus disse: «Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus foi glorificado n’Ele. Se Deus foi glorificado n’Ele, também Deus O glorificará em Si mesmo e glorificá l’O-á sem demora. Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco. Haveis de procurar-Me e, assim como disse aos judeus, também agora vos digo: não podeis ir para onde Eu vou». Perguntou-Lhe Simão Pedro: «Para onde vais, Senhor?». Jesus respondeu: «Para onde Eu vou, não podes tu seguir-Me por agora; seguir-Me-ás depois». Disse-Lhe Pedro: «Senhor, por que motivo não posso seguir-Te agora? Eu darei a vida por Ti». Disse-Lhe Jesus: «Darás a vida por Mim? Em verdade, em verdade te digo: Não cantará o galo, sem que Me tenhas negado três vezes»" (Jo 13, 21-33.36-38).

O Evangelho deixou-me desconcertado: duas traições iguais.
Tive e tenho pena de Judas. podia ter sido o Santo maior da Igreja. Hoje percebi isso. O pecado, a traição de Judas não foi maior que a de Pedro...confesso que até a acho menor. Ficou encantado com o dinheiro. Pedro não tinha razões...só negou. Pior....negou.
Não há pecado maior do que negar sem mais. O outro negou com uma razão: dinheiro.
O que não se faz por dinheiro!!!
Impressionou-me quando li.
Judas não teve a capacidade de se deixar desfazer pelo remorso Pedro sim.
Judas não encontrou esperança e solução. Não procurou o olhar de Jesus. Pedro teve a coragem de O olhar. A diferença entre um e outro está nesse gesto. Pedro olhou-O, Judas fugiu....tb chorou. Pedro chorou porque teve a coragem de o olhar.
Só nos convertemos quando O olhamos. Quando não o fazemos «enforcamo-nos».
Judas podia ter sido o santo mais belo. Deus não queria que isso acontecesse. Sou tão Judas em tantas vezes!!!! Deus me dê a graça, como até agora de nunca me «enforcar» mas sempre o dom das lágrimas, de saber chorar o meu pecado. como a Pedro. Judas também se arrependeu e tanto mas não foi capaz.
É tão verdade e tão humano isto tudo. Podemos ser Judas e não voltar atrás.... podemos ser Pedro e não voltar atrás também mas continuar para a frente. A dor desfaz e Pedro desfez-se com a dor. Judas não resistiu à dor. Como é misteriosa a liberdade que Deus nos dá. Uma corda ou uma lágrima que nos faz escorrer do rosto.
Judas podia ter sido o santo maior e mais belo da história (o que foi Paulo senão isto?).
Pedro foi porque chorou.

Dá-me, Senhor, o dom das lágrimas de Pedro. Mas também, e porque não o arrependimento de Judas que ele nos mostra!!!! Mas só não quero a corda que ele viu como solução do arrependimento! Essa corda matou-o. Mas o que o matou não foi Cristo... foi o não ser capaz de perceber o Amor.... o amor maior de Deus que supera tudo, mas tudo o que é o maior pecado. Que entre mim e Deus nunca haja uma corda que me faça desistir do seu perdão.

Bastava Judas pedir perdão e olhar o "olhar" de Jesus!

Pedro O

terça-feira, 15 de abril de 2014

Se queres orar, começa por escutar



A oração cristã é antes de tudo escuta para chegar ao acolhimento de uma presença, a presença de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. A operação é simples mas não é por isso que é fácil, antes é laboriosa e requer capacidade de silêncio interior e exterior, sobriedade, luta contra os múltiplos ídolos que nos ameaçam.

Deus fala: esta é a afirmação fundamental que atravessa toda a Escritura, sem a qual não poderemos ter qualquer relação pessoal com Ele. Com decisão absoluta, com iniciativa livre e gratuita, Deus dirigiu-se aos seres humanos para entrar em relação com eles, para instaurar um diálogo finalizado na comunhão. No Deuteronómio é colocada sobre a boca de Moisés esta reflexão:

«Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Pergunta se jamais houve, de uma extremidade à outra do céu, coisa tão extraordinária como esta, ou se jamais se ouviu coisa semelhante. Sabes, porventura, de algum povo que tenha ouvido a voz de Deus falando do meio do fogo, como tu ouviste, e tenha continuado a viver?» (Dt 4, 32-33).

Deus revela-se como Palavra e faz de Israel o povo da escuta, antes ainda que o povo da fé, revelando a vocação permanente: o chamamento a escutar. Não por acaso, a oração hebraica é ritmada pelo Shema’ Jusra’el, «Escuta, Israel» (cf. Dt 6, 4-9), uma ordem que, de várias maneiras, é repetida mais vezes na Torah, a qual, ao contrário, raramente pede para falar a Deus.

Se a oração do homem como desejo de Deus apresenta um sentido ascendente de palavras para o céu, a escuta é, por sua vez, caracterizada por um movimento descendente, por uma descida da Palavra de Deus no ser humano: o verdadeiro orante, a partir de Abraão (cf. Gen 12, 1), é aquele que escuta, aquele que dá ouvidos a Deus. Por isso, «escutar é melhor que o sacrifício» (1 Samuel 15, 22), melhor que qualquer outra relação homem-Deus que se apoia sobre o frágil fundamento da iniciativa humana.

Além disso, poder-se-ia dizer que se para Deus no princípio está a Palavra (cf. Jo 1, 1; Gen 1, 3.6…), para o homem «no princípio está a escuta». No Novo Testamento esta verdade é sintetizada de modo admirável na exortação da Carta aos Hebreus:

«Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho» (Heb 1, 1-2).

Agora é a Ele, ao Filho, que deve dirigir-se a nossa escuta, no seguimento da ordem da voz do Pai: «Este é o meu Filho, o amado, escutai-o» (Marcos 9, 7).

Fica claro, portanto, que a oração autêntica brota onde está a escuta. «Fala, Senhor, que o teu servo escuta» (1 Samuel 3, 9): este é o primeiro ato da oração, que nós – infelizmente – somos constantemente tentados a subverter em: «Escuta, Senhor, que o teu servo fala».

Sim, a escuta é oração e tem um primado absoluto enquanto reconhece a iniciativa de Deus, o facto de Deus ser o sujeito do nosso encontro com Ele: não é passividade, mas resposta ativa, ação por excelência da criatura diante do seu Criador e Senhor.

É significativo que ao convite que Deus dirigiu ao jovem rei Salomão para que este lhe apresentasse pedidos, o monarca pediu um lev shomea’ (1 Reis 3, 9), «um coração capaz de escutar»; e o Senhor gostou que Salomão tivesse feito esse pedido (1 Reis 3, 10).

Com efeito, este é o pedido que agrada grandemente ao Senhor na nossa oração, porque é o pedido que é gerado pela vontade de Deus, é o pedido primordial, a necessidade primeira e fundamental, o pressuposto da fé. Não é à toa que Paulo dirá que «a fé nasce da escuta» (fides ex auditu: Romanos 10, 17).

Compreende-se, então, porquê, interrogado sobre qual é o primeiro mandamento, Jesus tenha respondido antes de tudo «escuta», bem sabendo que dessa capacidade depende também a de conhecer e amar Deus e o próximo (cf. Marcos 12, 29-31).

Eis assim traçado o movimento da oração cristã: da escuta à fé, da fé ao conhecimento de Deus, e do conhecimento ao amor, resposta última ao seu amor gratuito e primeiro pelo ser humano.

Nunca se dirá suficientemente: quando não está bem clara o primado da escuta de Deus, a oração tende a tornar-se uma atividade humana e é forçada a alimentar-se de atos e fórmulas, em que se procura a própria satisfação e segurança: torna-se a epifania de uma arrogância espiritual, a substituição da execução da vontade de Deus. No máximo transforma-se numa disciplina de concentração que talvez elimine as distrações, mas não abre realmente para uma atenção orante ao Senhor que fala (cf. Deuteronómio 4, 32-33) e que ama (cf. Deuteronómio 7, 7-8): que fala porque ama.

Recorde-se, por fim, um dado de que é mais difícil ter consciência, mas que envolve sempre a nossa oração: com a escuta da Palavra entramos no mistério do diálogo intratrinitário. A comunhão de amor que reina entre o Pai, o Filho e o Espírito é, com efeito, alimentada pela escuta recíproca, como atestam algumas palavras de Jesus:

«Dei-vos a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (João 15,15); «Quando Ele vier, o Espírito da Verdade (...) não falará por si próprio, mas há-de dar-vos a conhecer quanto ouvir» (Jo 16, 13); «Pai, dou-te graças por me teres escutado» (Jo 11,41).



Enzo Bianchi
In Perché pregare, come pregare, ed. San Paolo
Trad.: SNPC/rjm
14.04.14

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Beleza real



Duas pessoas descrevem a mesma mulher para um artista forense e ISSO foi o que aconteceu

Este vídeo foi realizado pela Dove mostra duas pessoas a descrever a mesma mulher a um artista forense. O video uma questão bastante importante: como as mulheres são exigentes e duras com elas mesmas, principalmente quando se trata de questões de beleza.

É curioso que mulheres tão bonitas se descrevam como feias ou cheia de defeitos, demonstrando uma baixa auto-estima.

Talvez agora, depois destes seis minutos de reflexão, tu vejas outra pessoa quando olhares no espelho. Que tal fazeres o teste? :-)

domingo, 13 de abril de 2014

O Pai nosso de Deus



"Filho meu,
que estás na terra, 
preocupado, tentado, solitário, 
eu conheço perfeitamente o teu nome 
e o pronuncio como que santificando-o, porque te amo. 

Não, não estás só, mas habitado por Mim, 
e juntos construímos este reino de que irás ser o herdeiro. 

Alegra-me que faças a minha vontade 
porque a minha vontade é que tu sejas feliz 
já que a minha glória é ver-te vivo. 

Conta sempre comigo e terás o pão para hoje, não te preocupes; 
só te peço que o saibas repartir com o teu irmão. 
Sabe que perdoo todas as tuas ofensas 
antes mesmo de as cometeres, 
por isso peço-te que faças o mesmo àqueles que te ofendem a ti. 

Para que nunca caias em tentação, 
segura firme na minha mão 
e eu te livrarei do mal, 
pobre e querido filho meu".

JOSÉ LUÍS MARTIN DESCALZO, 
Razões para viver, 
Ed. Missões, Cucujães, 255

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Minha alma flutua numa nuvem de alegria



Hoje não é nenhum dia especial mas a minha alma flutua numa nuvem de alegria.

O meu coração transborda de amor por todos aqueles que o Senhor põe no meu caminho e que escolhem permanecer nele para comigo andar nesta montanha-russa que é a vida.

Dos meus olhos brotam lágrimas de gratidão por esse amor que derramam sobre mim apesar de todos os meus defeitos.

Dos meus lábios soltam-se palavras de cumplicidade embaladas na doce melodia da amizade, esta mistura apaixonada e contraditória, esta aventura conseguida e ainda assim, inacabada, esta pulsão de nervos e de alma, de opacidade e vislumbre.

Já deitada e antes de adormecer, abraço esse maravilhoso encontro, testemunhado por Deus, de almas que se elevam...

Raquel Dias

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Dar a volta


«É isso que estou a tentar dar a volta
O desafio é muito duro e temos de dar tudo por tudo.
Fazer o melhor possível e esforçar-se ainda mais.
O segredo é jogarmos unidos.
Atacar juntos todos e defendermos todos.
Porque para ganhar há que jogar em equipa
e, por isso, eu tenho a minha!

Um é avançado, outro guarda-redes e outro defesa.
Cada um faz parte da equipa.
Não estamos sozinhos.
Somos uma equipa e trabalhamos juntos para ganhar.

Na vida, há uma equipa mais importante.
Agora, muitos de nós, estamos a jogar o jogo mais difícil das nossas vidas
e precisamos de uma equipa para dar a volta.
E eu tenho uma grande equipa: a minha família!
Porque me animam a acordar em cada manhã.
Porque me fazem rir quando estou triste
ou aturam o meu mau humor quando tenho um dia menos bom.

Todos arregaçamos as mangas e nos ajudamos em tudo o que é possível
Porque sem os avós, os irmãos, os pais e as mães,
e até sem todos vocês,
muitos de nós perderíamos o jogo.

O importante não é a posição em que jogas
mas o esforço de cada jogada.
Porque, apesar das dificuldades, se a equipa está unida, nunca desiste.
Porque podemos sempre dar a volta!»

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Estas mãos



Estas mãos que me deste, Senhor…
Estas mãos que quando a minha mãe segurou pela primeira vez, em silêncio,
      contou os dedos para se certificar que me tinhas feito perfeito.
Estas mãos que com ternura mimaram os meus pais.
Estas mãos que bateram nos meus irmãos e os abraçaram também.
Estas mãos que partiram o bico do primeiro lápis de cor.
Estas mãos que esmurram um amigo no recreio.
Estas mãos que o pai e a mãe seguraram em tantos passeios.
Estas mãos que tiraram o que não me pertencia.
Estas mãos se fecharam furiosas e contra uma mesa.
Estas mãos que tantas vezes uni para te falar, pedir, implorar.
Estas mãos que enlaçaram as mãos da pessoa que escolhi, e que perante Ti foram abençoadas.
Estas mãos que seguraram os nossos bebés acabados de nascer,
      enquanto em silêncio lhe contava os dedos para saber se Tu os tinhas feito perfeitos.
Estas mãos que ziguezaguiaram no primeiro banho dos nossos filhos.
Estas mãos que cheias de amor, encheram de carinho os nossos bebés.
Estas mãos que eu zangado(a), deixei marcadas nos nossos filhos.
Estas mãos que enlaçadas aos pares passearam a minha família.
Estas mãos que impotentes, seguraram as mãos moribundas daqueles que partiram antes de mim,
      para se despedirem e para se fazerem lembrar.
Estas mãos que convidam e que recebem.
Estas mãos que dão e ajudam.
Estas mãos, que um dia quero devolver-Te engelhadas e puras,
     assim como Tu mas deste, mas hoje ainda não…
… Porque hoje, estas mãos que me deste, são dos peregrinos."

terça-feira, 8 de abril de 2014

Poço de água viva



Senhor, quero encontrar em Ti a minha força! 
Contudo, para que isto possa ser verdade em mim, 
devo ter a consciência de que preciso 
de fazer muito da minha parte: 
preciso de me dispor 
a não me preocupar com a minha sensibilidade, 
os meus pensamentos inúteis, 
as minhas preocupações e medos excessivos, 
as minhas ambições extremas, 
tristezas e gozos vãos. 


Senhor, nesta Quaresma, 
quero fazer o esforço para estar perto do Teu poço, 
onde corre a água viva 
que me dá alento para esta vida; 
que me dá a Vida eterna, 
mesmo ainda nesta vida. 


Vem, Espírito de Amor!

C. L.




segunda-feira, 7 de abril de 2014

A doença não matará a minha vida



Morreu o professor e empresário Manuel Forjaz, que, nos últimos cinco anos, viveu uma intensa batalha contra um cancro no pulmão. Manuel Forjaz morreu este domingo de manhã, aos 50 anos, na sua casa de Lisboa.

Manuel Forjaz tinha um programa semanal na TVI24, conduzido por José Alberto de Carvalho. «28 Minutos e Sete Segundos de Vida» retratava a forma como encarava o país e a sua própria vida. O último foi transmitido na quarta-feira à noite.

Era um orador de excelência e fazia palestras onde partilhava a sua luta. Recusou sempre baixar os braços e lançou um livro, «Nunca Te Distraias da Vida», onde partilha a experiência pessoal na luta contra o cancro.

Manuel Forjaz ficará para sempre conhecido pela frase que marcava as suas intervenções: «Posso acabar por morrer da doença, mas a doença não matará a minha vida».

Aconselho a ver. CLICA NESTE LINK

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Desatei a chorar



Não consegui aguentar. Desatei a chorar.

Hoje no meu voo de Geneve para o Porto, um voo carregado de emigrantes Portugueses sentou-se junto a mim mais um deles. Nada de novo até aqui.

Minutos depois de ter pedido uma sandes que apenas consegui comer metade e por trás dos auriculares ligados a um iPhone oiço uma voz. "Deve querer ir a casa de banho", pensei. Instantaneamente levanto-me... mas não. Um sorriso indica que e outra coisa. Tiro um auricular. "Ainda vai comer mais? Importa-se que fique com o resto?". E nestes momentos, nestes segundos em que saímos dos nossos hiper-conectados mundos e do nosso stress diário que caímos naquela que e a essência humana. Disse-lhe que não, chamei o chefe de cabine e pedi mais uma sandes. Dei-lha.

Mas esta história para mim foi muito mais que uma sandes ou um momento semi auto-congratulante para colocar no Facebook, foi um verdadeiro reality-check.

Ao conversar com o José (raramente o faço num voo), fiquei a conhecê-lo melhor. 40 e muitos como diz ter mas sem querer concretizar, há ligeiramente mais de 2 anos a trabalhar em Vevey na Suíça. Trabalha na construção, vive com 2 colegas e não vê a mulher e as duas filhas há mais de 2 anos. Dois anos!!! Perdeu a entrada da filha na universidade - mas não reclama porque diz que é para isso (e que para a outra também possa ter esse "luxo") que está na Suíça. O skype ajuda, diz mas a "saudade mata". E foi para isso que poupou e comprou este voo. Vai ver as filhas, a mulher, a mãe que não vê ha tanto tempo. Vão estar no aeroporto, assegura-me. Não duvido. Diz que saiu de Portugal depois de a fábrica onde trabalhou quase 20 anos ter fechado, não encontrou mais nada em quase um ano de procura. "sou trapo velho" diz.

Como e possível aguentar esta saudade? Como e possível não se queixar? Como e possível dizer-me que esta "bem"? Como e possível trabalhar "das 8 as 10" (faz um part-time também) para poder mandar dinheiro para Portugal para a Rita e a Sofia? E mesmo assim sorrir?

Não consegui, enquanto soltava lágrimas num misto de perplexidade e compaixão ele ria-se. "Não estou doente homem. Não há motivo para chorar".

É de facto esta a geração que está na lama. Não os 20-something, não os "cérebros que fogem", são os pais desses cérebros - chamemos-lhes os músculos. Esses tem muito menos oportunidade, muito menos capacidade de se adaptarem. Esses estão a reconstruir uma vida depois de já terem construído uma. Esses estão a passar pela maior privação de todas. Estar longe da família que criaram, das pessoas que amam.

Boa sorte José, e obrigado por este momento.

Ricardo Sousa

Vê que interessante a quantidade dos nossos antepassados: Pais: 2 Avós: 4 Bisavós: 8 Trisavós: 16 Tetravós: 32 Pentavós: 64 Hexavós: 128 Hep...